Presidência portuguesa da UE

Agostinho Lopes ao «Avante!»
«A reforma das instituições europeias
retirará força a Portugal»


O programa da presidência portuguesa da União Europeia, discutido na passada semana na AR, foi criticado pelos deputados comunistas por não incluir temas ditados pelo interesse nacional, limitando-se a fazer a «gestão bem comportada de dossiers» de uma Europa que se afasta cada vez mais dos objectivos da coesão económica e social. Agostinho Lopes, membro da Comissão Política e deputado na AR, comenta algumas das questões que marcam o actual rumo da construção europeia.


— A anunciada reforma institucional tem como suposto objectivo dar coesão política à UE de forma a poder ombrear com os Estados Unidos. De que forma ela irá afectar a possibilidade de os países mais pequenos defenderem os seus interesses nacionais?

Agostinho Lopes — Perguntas bem, porque esse é de facto apenas o «suposto objectivo». O verdadeiro objectivo é garantir e reforçar, no quadro do previsível alargamento (mais países integrando a União Europeia), o comando das políticas comunitárias pelas grandes potências europeias: Alemanha, França, Reino Unido. Garantir que, contra a vontade desse «directório de grandes países», não haverá decisões, e que a sua vontade prevalecerá qualquer que seja o posicionamento dos pequenos países. Podemos até prever que, ao «mexer» na igualdade relativa (já hoje muito relativa!) dos diversos países nos órgãos e funcionamento da União Europeia, reforçando o peso político dos grandes países, a ensejada reforma institucional fragilize a actual coesão política da União Europeia. De acordo com as principais ideias que vão sendo avançadas, países como Portugal serão afectados pela perda dos respectivos comissários (recorde-se que a Comissão tem o grosso da iniciativa legislativa), pela perda de influência relativa do seu voto, pela redução do número de decisões em que é obrigatório que haja unanimidade, pela liquidação de «direito de veto» - questão chave e seguro institucional para qualquer pequeno país defender os seus interesses fundamentais – e ainda o afastamento de línguas nacionais, como o «português», das línguas de trabalho da União Europeia.A tese da «União Europeia como Anão Político», perfilhada pelo primeiro-ministro Guterres e outros, só poderá servir os interesses das grandes potências e dos que defendem o figurino «federal» para a União Europeia.

— Que consequências poderá ter para Portugal o alargamento da UE, num momento em que os países mais ricos querem pagar menos e os menos desenvolvidos querem e precisam de mais fundos?

— Portugal poderá, nas condições financeiras e institucionais definidas pela União Europeia, ser afectado essencialmente devido a duas consequências do alargamento:- Uma concorrência acrescida no mercado interno da União Europeia (incluindo em Portugal) pelas produções dos novos países aderentes – ter em conta que as suas produções concorrem fortemente com as nossas – tendo esses países reconhecidamente uma mão de obra mais qualificada e mais baixos salários na comparação com o nosso País.- Uma redução dos fundos comunitários destinados a Portugal, exactamente como resultado do que referes.Não considerando aqui e agora uma provável maior «periferização» económica e política do País como resultado do deslocamento para Leste do «centro da União Europeia», o alargamento, como temos dito e escrito, deve depender única e exclusivamente da expressa vontade política desses países e povos, que não devem ser sujeitos a quaisquer imposições ou condicionalismos no processo de adesão que firam a sua soberania de decisão.

— Vai realizar-se em Portugal uma cimeira sobre o emprego. Que perspectivas poderá abrir para a resolução de um dos mais graves problemas sociais da Europa, onde existem mais de 17 milhões de desempregados?

— A «Cimeira» sobre o emprego, como aliás todas as anteriores, não visa resolver o problema do desemprego na União Europeia. É mais uma nova encenação com que se pretende tapar, esconder, as opções dos governos sociais democratas e de direita da União Europeia, por orientações políticas e económicas neoliberais responsáveis pelo desemprego na Europa: privatizações, liberalização e desregulamentação, a marcha forçada para a convergência nominal... Se não vier, mais uma vez, dizer que a culpa do desemprego é dos próprios trabalhadores, que não aceitam pôr fim à dita «rigidez dos mercados de trabalho», que não aceitam reduzir «os custos do factor trabalho»...

— O lançamento de uma política de defesa comum é um dos pontos que constam da agenda da presidência portuguesa da União Europeia. Como se coaduna esse objectivo com o facto de muitos dos estados da UE estarem integrados na NATO?

— A instauração de uma «política de defesa comum» pela União Europeia é uma tentativa de reduzir, aplainar divergências, diferenças que possam haver (e há) de alguns países (e de grande parte da própria opinião pública) da União Europeia relativamente à sua transformação num bloco político-militar. E aquele objectivo não contraria ou choca com a política imperialista da NATO, sob a tutela dos EUA e a participação activa e cúmplice de alguns países da União Europeia nessa política. Antes visa alinhar e uniformizar a política de defesa de todos os países da União Europeia pelo «figurino NATO», apesar das contradições (secundárias) que existem...

— Faz sentido pensar-se num exército europeu quando não nem sequer existe uma política externa comum?

— A primeira coisa que não faz sentido é a existência de uma «política externa comum» da União Europeia como se esta fosse já um Estado Federal. E muito menos sentido faz qualquer ideia de um «exército comum» para apoiar/suportar uma política externa comum e uma política de defesa comum... Só fará sentido para quem defender uma Europa armada, armamentista, agressiva,... competindo ou colaborando com os EUA na guerra aos povos do Terceiro Mundo... no policiamento do planeta.Outra coisa completamente diferente é a procura de convergência das políticas externas autónomas dos países que integram a União Europeia e a possível cooperação no uso de meios militares nacionais em missões de paz decididas pelas Nações Unidas ou no âmbito da OSCE.

— Como comentas o cancelamento da cimeira africana?

— A concretizar-se o cancelamento, isso significa o falhanço de uma das principais iniciativas da Presidência portuguesa, que poderia ter efectivas e positivas repercussões nas relações de Portugal e da União Europeia com África, e em particular com os povos de língua oficial portuguesa.Mas o cancelamento denuncia também, o como, em questões consideradas centrais, a União Europeia é dominada pelos interesses das «suas» grandes potências. Não se fazer a Cimeira durante a Presidência portuguesa significa que poderá vir a fazer-se durante a Presidência seguinte, que por acaso é francesa. França, África francófona, interesses franceses em África.... Serão precisas mais palavras...?

— A população europeia continua a envelhecer. Há mesmo quem diga dentro alguns anos não poderá suprir as suas necessidades de mão de obra. Não obstante, as fronteiras da Europa continuam fechadas aos imigrantes. Como avalias a actual política de imigração, designadamente em relação aos países africanos de expressão portuguesa?

— Como é sabido, o PCP não considera que a solução para os problemas do subdesenvolvimento (de África ou de outros continentes) passe pela emigração. Sendo um fenómeno certamente muito complexo, a emigração é consequência desse subdesenvolvimento e é sempre um remédio doloroso, fracturante das sociedades que a sofrem. Estão os portugueses em muito boas condições para a avaliar devidamente.Ora o que, em primeiro lugar, se exige da União Europeia é um comportamento exemplar no apoio e ajuda ao desenvolvimento desses povos, no respeito pela sua independência e soberania: perdão da dívida, comércio justo, cooperação para o desenvolvimento tecnológico, para a saúde e educação,... O que não significa desvalorizar a política de emigração.E nesta matéria, combater uma política que faz de cada emigrante um suspeito «terrorista» ou «traficante de droga», ou seja, combater a Europa de Schengen. E defender o emigrante como cidadão a quem são reconhecidos direitos, a começar pelo direito a uma vida digna, salário, habitação, ao reagrupamento familiar, e não mão de obra barata para ajudar a desvalorizar salários e atacar os direitos dos outros trabalhadores. Não um cidadão menorizado na sua cidadania e humanidade.Não será, na minha opinião, a emigração que resolve o envelhecimento da população europeia. Talvez começar por reflectir nos valores com que o capitalismo neoliberal marca as sociedades actuais. Talvez pensar nas transformações sociais que rompam com os estrangulamentos e contradições a que lógica da maximização dos lucros, a total mercantilização das actividades humanas, conduziram a vida do planeta neste virar do milénio.

— Há dias, o ministro da Agricultura anunciou mais dois mil milhões de contos para os agricultores portugueses. No entanto, os preços à produção têm vindo a descer na sequência dos acordos da PAC, e Portugal tem ficado ao longo dos anos cada vez mais dependente das importações de produtos alimentares. Que medidas precisa a pequena e média agricultura para sobreviver nas actuais condições?

— Em primeiro lugar é preciso desmontar a propaganda dos «milhões». Porque parte significativa desses milhões (cerca de 50%) será paga pelos próprios agricultores, e outra parte, não menos significativa, é destinada a compensar, em parte, baixas de preços – não acrescentam nada, compensam de forma insuficiente «prejuízos» dos agricultores.Depois há que sublinhar a necessidade de uma completa reforma das regras da PAC. Com a actual PAC não há pequena e média agricultura que sobreviva. Duas questões essenciais: inverter os critérios com que são actualmente distribuídas as ajudas e apoios, privilegiando a exploração agrícola familiar, os que efectivamente fazem a terra produzir; defender um comércio internacional de produtos agro-alimentares sujeito aos princípios da segurança e soberania alimentares. O direito a alimentos saudáveis e o direito de cada país ter uma agricultura e agricultores.


«Avante!» Nº 1363 - 13.Janeiro.2000