Presidência portuguesa da UE

Honório Novo*:
«Governo limita-se a gerir dossiers»


A apresentação do programa da presidência portuguesa da União Europeia limita-se a reproduzir objectivos e orientações já conhecidas e a indicar a disposição do governo português para realizar uma mera gestão bem comportada dos dossiers que recebeu e que pretende entregar sem introdução, leve que seja, de uma marca própria que pudesse vir a reflectir uma forma autónoma e nacional de encarar e influenciar a integração europeia.(...) Não seria a presidência portuguesa o momento adequado para propor iniciativas políticas que permitissem rediscutir e redefinir algumas das orientações que têm marcado certas políticas comuns e cujas consequências para os países menos desenvolvidos, em especial para Portugal, se têm revelado particularmente negativas?Não seria este o momento para propor alterações sensíveis em matéria de política agrícola ou de pescas – como é o caso da justiça orçamental para com as produções mediterrânicas ou sobre o futuro da zona exclusiva para a actividade piscatória – que permitissem a salvaguarda de especificidades nacionais diferenciadas?Não seria este o momento certo para que se tomassem iniciativas prioridades para destinadas a acompanhar e a influenciar as negociações da OMC, cujo fracasso, em Seattle, podem ter aberto perspectivas políticas para que sejam abandonadas as actuais orientações neoliberais baseadas na dominação financeira, na delapidação de recursos e na degradação ambiental, e se definissem novas orientações no desenvolvimento, na cooperação e nos interesses de todos os Estados e Povos?Não seria este o momento adequado para que a presidência portuguesa colocasse na ordem do dia das prioridades a definição urgente dos sistemas de apoio permanente às regiões ultraperiféricas tal como prevê o actual Tratado da União Europeia?Não seria este o momento para colocar na agenda política a revisão de orientações económicas que se têm traduzido pela desarticulação de sectores produtivos – caso dos têxteis ou da construção naval – essenciais aos países mais pobres da União Europeia, entre os quais Portugal?(...)

*Extracto da intervenção na sessão da AR em 5 de Janeiro de 2000

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João Amaral**:
Mera continuidade


(...) Por um lado: não há nenhuma questão ou tema, dos considerados prioritários pelo governo, que seja directamente ditado pelo interesse nacional. O governo assume que a escolha de temas e prioridades decorre da lógica e das necessidades de afirmação europeia e nunca da ponderação dos interesses nacionais directos.Por outro lado: o resumo que o governo aponta para a presidência é o de uma mera continuidade de objectivos e seu aprofundamento, na direcção da construção de uma espécie de superpotência europeia vocacionada para as guerras da competição global.(...) A tese com que o governo justifica as posições que assume para a presidência portuguesa pode resumir-se na ideia de que a defesa dos interesses portugueses assegura-se pelo aprofundamento da construção europeia. Mais Europa seria, para o governo, automaticamente, a resposta aos problemas do País. Não é verdade. (...) É preciso que se afirmem das linhas essenciais de política na Europa para que isso suceda:- Primeiro, é preciso que a Europa direccione as suas políticas erigindo em objectivos essenciais a coesão económica e social e a justiça social. Não se trata, não se trata só, de mais Europa, trata-se sim e fundamentalmente de melhor Europa, de um novo rumo para a Europa que a torne no que não é hoje, um coeso espaço social de progresso e paz.- Segundo, é preciso que a Europa assuma a diversidade dos interesses nacionais que a compõe como uma mais valia; e que assuma o respeito dessa diversidade com a via única para o progresso da construção europeia.É a completa ausência destas perspectivas políticas que, na nossa opinião, condena a presidência portuguesa, aos olhos dos portugueses.(...)

**Extracto da intervenção na sessão da AR em 5 de Janeiro de 2000

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Ilda Figueiredo***
O emprego e as políticas europeias


A luta por um emprego de qualidade, com direitos e salários dignos, continua a ser a questão mais importante para os cidadãos da União Europeia, sejam trabalhadores no activo, desempregados, jovens à procura do primeiro emprego e mulheres domésticas que deixariam de o ser se houvesse emprego em número suficiente. É que, mesmo tendo por base números oficiais, há ainda cerca de 16 milhões de desempregados na União Europeia e mais de 50 milhões de pobres que, em muitos casos, são trabalhadores a tempo parcial ou por conta própria, sem direitos e com salários muito baixos.Daí que seja natural alguma expectativa em torno da anunciada Cimeira Extraordinária sobre «Emprego, reforma económica e coesão social para uma Europa da inovação e do conhecimento», a realizar em Lisboa, em 23 e 24 de Março. A presidência portuguesa tem apresentado esta iniciativa como a mais importante deste semestre.Ora, é fundamental que esta cimeira não se fique pela repartição de princípios gerais já contidos noutros encontros semelhantes e que não sirva de cortina de fumo para novos ataques aos direitos laborais sob o pretexto de aumentar a competitividade da UE face aos EUA. É essencial a cimeira concretize políticas, medidas e objectivos quantificados, o que pressupõe alterar as orientações neoliberais das políticas económico-sociais que têm predominado desde a aprovação do Pacto de Estabilidade. Só que, como se viu durante a discussão das «directrizes de emprego para 2000», não há vontade política para alterar a situação actual.Todos afirmam lamentar que haja uma taxa de desemprego de 19,5 por cento entre os jovens, que metade do desemprego seja de longa duração, que as disparidades de género no chamado «mercado de trabalho» continuem a ser significativas na generalidade dos países da União Europeia, com as mulheres a receberem, em média, apenas cerca de 76 por cento dos salários dos homens. A própria Comissão reconheceu que «as políticas da igualdade de remuneração para trabalho igual ou de igual valor não receberam a atenção que merecem nos planos de emprego dos Estados membros, em 1999».Mas foram rejeitadas quase todas as propostas que visaram alterar a actual situação, incluindo propostas tão limitadas como as que estabeleciam que a taxa de emprego na União Europeia devia passar de 61 por cento para 65 por cento em cinco anos e que o desemprego de longa duração devia ser reduzido em 50 por cento em cada Estado membro nos próximo cinco anos.Assim, há sérias dúvidas sobre a real eficácia das medidas a tomar na próxima Cimeira Extraordinária do Emprego, embora haja condições, se houvesse vontade política, para um crescimento económico mais elevado, desde que se promova uma maior coordenação das políticas económicas e de emprego, se reforce a coesão social, se desenvolva a dimensão social, designadamente através de uma mais equilibrada distribuição do rendimento que estimule a actividade económica, de um forte empenhamento na redução da precariedade do emprego e na redução do horário de trabalho que permita a salvaguarda e a criação de empregos de qualidade com direitos e salários dignos.

***Depoimento prestado ao "Avante!"


«Avante!» Nº 1363 - 13.Janeiro.2000