JUVENTUDE
Planeamento
familiar baixa taxa de gravidez em adolescentes e número de
abortos
Jovens
mais esclarecidos
Se a sexualidade é parte integral da vida dos jovens, o planeamento familiar também tem de o ser. Conversámos com a APF e descobrimos o que os portugueses pensam (e fazem) sobre o assunto.
Trinta e três anos
depois da sua formação, a Associação para o Planeamento
Familiar (APF) está mais activa do que nunca. E a sua história
permite-lhe fazer balanços e comparações entre o passado e o
presente. Por isso, Duarte Vilar e Maria José Alves -
respectivamente, o director executivo e a presidente da
organização - não hesitam em afirmar que os jovens estão mais
informados sobre sexualidade e planeamento familiar.
Naturalmente, dúvidas não faltam. «Põem-nos questões que,
quando receberam a informação, não tinham ninguém a quem
colocar. Porque o fizeram com amigos, através de revistas ou em
situações em que não estavam à vontade para fazer
perguntas», diz Maria José Alves, lembrando as perguntas
colocadas pelos muitos jovens que se dirigem à APF.
«Os jovens têm acesso a muito mais informação técnica do que
antes, mas normalmente essas mensagens são pouco
esclarecedoras», considera.
Maria José Alves considera que «alguma informação é muito
negativista». «Fala-se destes temas, mas pela negativa, sempre
relacionando com os riscos: gravidez indesejada e doenças
sexualmente transmissíveis.» As relações amorosas são
deixadas, apesar de serem igualmente importantes.
Mais do que contracepção
O planeamento
familiar não tem a ver apenas com contracepção, mas também
com decisões reprodutivas ou, por vezes, tradições
reprodutivas muito arreigadas nas culturas de grupo. «É o que
as pessoas recebem dos pais, dos pares ou fruto de aculturação.
Por exemplo no caso dos cabo-verdeanos, é muito diferente se as
pessoas vivem em Cabo Verde ou em Portugal», explica a
presidente da APF.
«Ter muitos filhos num determinado sítio pode não constituir
problema nenhum, mas manter essa tradição noutro local pode ser
muito grave porque os recursos e os apoios são diferentes. As
questões relacionadas com o planeamento familiar estão muitas
vezes relacionadas com a promoção ou despromoção social.»
«Estas questões têm de ser alteradas gradualmente, não se
pode ir abruptamente contra isso», afirma Maria José Alves,
«senão o que podemos conseguir é que aquela mulher seja
marginalizada. Ou mesmo não conseguir qualquer contacto.»
«Podem-nos olhar com uma desconfiança enorme e dizer "isto
não tem nada a ver connosco". As pessoas precisam de algum
tempo para mudar. Há coisas que podem levar cinco ou dez anos»,
acrescenta.
Aconselhamento
Até ao 25 de Abril,
a APF tinha consultas de planeamento familiar, procurando
colmatar uma necessidade a que o Estado não respondia. Hoje tem
programas de aconselhamento nas diversas delegações regionais,
além das «Quartas-Feiras Jovens» (na Delegação Regional de
Lisboa), do «Aparece às 6.ªs» (no Centro Comercial das
Amoreiras), dos «Centros de Atendimento de Jovens do Porto» e
da «Montra Jovem». É ainda responsável por duas linhas
telefónicas: «Sexualidade em Linha» (800 22 2002) e
«Sexualidade em Atendimento» (1414).
Os problemas mais comuns são a gravidez indesejada e os
comportamentos de risco devido à não utilização de
contracepção segura e à sua má utilização. As raparigas
são quem mais se dirige ao aconselhamento da APF, algumas com
amigas ou com os namorados. Há também adultos que ali vão,
principalmente devido a problemas de filhos, sobrinhos e netos.
Normalmente quem visita a associação já iniciou a sua vida
sexual, embora haja quem venha quando está a pensar começar. A
gravidez é a maior preocupação. Só depois aparecem as
doenças sexualmente transmissíveis, entre as quais a sida surge
em grande
Mais informação, menos mães adolescentes Portugal
apresenta uma das taxas mais altas de maternidade na
adolescência da União Europeia. Os números têm vindo
a descer, mas não o suficiente. Em 1980, as mães
adolescentes representavam 14 por cento em relação ao
total de partos. Em 1997, os valores passaram para 7 por
cento. |
O
que é a APF
A APF foi fundada em
1967 com o objectivo de desenvolver o planeamento familiar,
conceito então aplicado em países com altas taxas de
mortalidade materna e infantil, como acontecia em Portugal na
altura. A partir do 25 de Abril tornou-se muito mais fácil
desenvolver as actividades da associação.
«Não só a APF ganhou espaço para discutir assuntos que antes
só dificilmente conseguia, como passou a ser solicitada por
escolas, associações de moradores ou comissões de
trabalhadores», lembra Duarte Vilar.
Hoje, continua a receber pedidos de inúmeras organizações e
organiza cursos de formação de áreas como o planeamento
familiar, a educação sexual e os abusos sexuais.
Riscos aumentam em zonas carenciadas
A APF desenvolve programas de planeamento familiar em oito
bairros sociais em Lisboa e Porto, em cooperação com a
Secretaria de Estado da Habitação: a Zona J de Chelas, o Alto
da Loba em Oeiras, o Pica Pau Amarelo em Almada, o Casal de
Cambra em Sintra, o Alto do Argo no Porto, a Cruz de Pau em
Matosinhos, o bairro de Rio Tinto em Gondomar e o Lugar de Tebas
na Maia.
Como explica Duarte Vilar, os meios desfavorecidos sofrem as
mesmas carências que os outros, mas sentem-nas mais
intensamente: «Os problemas não são diferentes, são é
vividos com maior frequência.»
«Todos os problemas de saúde reprodutiva se agravam nas
situações de pobreza: mais gravidezes em adolescentes, mais
abortos, mais abortos de risco. Isto tem a ver também com a
baixa escolaridade, até porque menos escolaridade envolve menos
conhecimento do corpo», diz.
Nas zonas carenciadas verificam-se mais comportamentos de risco.
E outro fenómeno salta à vista: 80 por cento das mulheres
entrevistadas pela APF foram mães adolescentes.
Este é um problema que se estende às várias gerações:
«Muitas vezes há um processo de reprodução: as mães
adolescentes são frequentemente filhas de mães adolescentes»,
afirma Duarte Vilar. E, como considera Maria José Alves, «o
problema é perpetuar o ciclo».