Carlos Carvalhas ao «Avante!»
Um Partido de luta e de propostas


Assinalando a passagem do 69.º aniversário, que há dois dias comemorou, o «Avante» inclui no seu primeiro número remodelado uma entrevista com o secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas. Entre as questões que coloca, destacam-se, naturalmente, as que se prendem com o XVI Congresso do PCP, a realizar em Dezembro e cuja preparação teve início na última reunião do Comité Central.


 

— A última reunião do Comité Central lançou a preparação do XVI Congresso. Quais são as questões principais que vão estar em debate na primeira das três fases anunciadas?

— O Comité Central sugeriu algumas questões que pensamos ser necessário aprofundar. A análise da situação internacional e nacional. Que futuro para o nosso país e para o aparelho produtivo nacional? A dependência e o domínio estrangeiro. A acentuação das desigualdades. A exploração, a concentração de riqueza. A alternativa, as alianças sociais e políticas. Como reforçamos a influência do nosso Partido no plano nacional e nas diversas regiões? A transformação de influência social em mais influência política e eleitoral. O rejuvenescimento e a renovação. A questão fundamental de ligação aos trabalhadores e da ligação em geral à sociedade. A dimensão e o estímulo à iniciativa política a todos os níveis. A relação dialéctica entre luta de massas e a luta institucional. O Partido de luta e de proposta. As classes sociais seu peso, condição e evolução...


Ao longo dos seus congressos o PCP sempre procurou mobilizar os militantes para uma intervenção activa no debate. Que medidas estão previstas, no que respeita ao XVI Congresso, para prosseguir esse objectivo?

— O Partido vai continuar com a sua intervenção e com grande empenho e dinamismo. E no quadro da sua intervenção, por diversas formas, vai também debater de forma interligada as questões que o colectivo partidário entenda que deve ser submetido a Congresso. Por exemplo, ao debatermos o Orçamento do Estado podemos debater a natureza de classe das políticas aí contidas, a questão do Estado, o domínio do poder económico sobre o poder político...
Por outro lado, as organizações do Partido vão convocar plenários específicos para dinamizar o debate pré-congressual. E, naturalmente, em tal ou tal organização poderá haver diversos temas que suscitem mais interesse. Caberá também a cada uma ver a melhor forma de mobilizar os militantes.


No momento em que o CC anunciou o XVI Congresso está em curso o congresso de outro partido nacional - o PSD. Como vês a sua preparação?

— Nós não pretendemos dar lições a ninguém. Nem temos por norma imiscuirmo-nos nos assuntos internos dos outros partidos. Mas melhor do que qualquer apreciação nossa é a apreciação feita por cada um dos candidatos que não têm diferenças de fundo nas suas propostas. Um diz: «o País ri-se de nós»; outro afirma: «estamos a fazer o jeito ao PS...»; outro refere que as «inerências dominam o Congresso» e tudo isto misturado com insultos pessoais.
Como disse um comentador, «a fertilidade dos combates em que se envolvem e a sensação que transmitem é de que estão na política não para servir os outros, mas para servirem vaidades ou ambições pessoais».


E qual é o teu comentário às notícias que foram veiculadas, sobre a reunião do Comité Central do PCP, por um semanário?

— É uma grosseira invenção que tal ou tal membro do Comité Central tenha sido «derrotado», «arrasado» na última reunião.
Pois a verdade é que as conclusões do Comité Central traduzidas em dois documentos incluindo as orientações para a preparação do XVI Congresso foram aprovadas por unanimidade
. E na reunião não houve quaisquer outras votações...
Mas o facto de, numa qualquer reunião do Comité Central, um dos seus membros não obter vencimento para um ponto de vista é (e teria sido se tivesse sido o caso) uma circunstância corrente e normal.
E é bom esclarecer que, nesta reunião, os membros do Comité Central foram expressamente solicitados para contribuírem com a sua opinião e reflexão numa primeira abordagem das questões do Congresso, sem quaisquer limites exteriores à sua própria vontade, e assim o fizeram, exprimindo naturalmente opiniões, preocupações e ângulos de abordagem diferenciados.
Mas em relação a essas opiniões e reflexões individuais dos membros do Comité Central não se fez - nem se justificava fazer nesta primeira discussão - qualquer apuramento conclusivo, para além do que consta nos documentos aprovados.


Mas não há pelo menos dissonâncias no discurso de diversos dirigentes do Partido?

— Sem dúvida que isso acontece de vez em quando. Não devemos porém confundir formas diferentes de abordar os problemas e de intervir (que fazendo parte da positiva individualidade de cada um, são naturalíssimas nas actuais condições da vida política nacional) e a defesa pública, em pontos importantes e por vezes com assinalável repercussão, de orientações e eixos de intervenção bastante diferenciados das aprovadas colectivamente.
O Partido tem um Programa e Estatutos que estão em vigor e a todos vinculam de igual modo. As análises, preocupações, tónicas principais, prioridades, orientações e linha política do Partido, no plano nacional, são as que decorrem do XV Congresso, das decisões do Comité Central e, nos intervalos das reuniões deste, dos seus organismos executivos e que o Secretário-geral do Partido procura veicular, no âmbito das suas responsabilidades próprias.
Fora disto, ao lado disto, ou contra isto, haverá outras opiniões, todas legítimas, todas respeitáveis e todas passíveis de discussão no Partido, sendo por vezes também discutível a sua oportunidade. Mas isso não chega para fazer delas nem interpretações autênticas das orientações e decisões do Partido nem linha que vincule o conjunto do Partido.


E em relação às presidenciais e à CDU?

— É também uma falsidade que a CDU ou a questão das presidenciais tenham sido debatidas nesta reunião.


Mas não podes negar que estas «notícias» causam perturbações...

— Pudera, são feitas para isso mesmo! Mas confiamos que os membros do Partido, que já viram muita coisa, conservem a serenidade bastante para não cair em armadilhas, nem vogarem ao sabor de operações de intoxicação. Pela nossa parte, estamos firmemente dispostos a não deixarmos que sejam outros, pelas suas operações ou por qualquer errada reacção de tal ou tal camarada, a decidir em que clima e em torno de que matérias é que deve decorrer o XVI Congresso.


Em Bragança falaste em operação de intriga e de divisão.

— Sim e é bom que se saiba, repito, que estamos firmemente dispostos a rejeitar todas as manobras e atitudes que visem condicionar, limitar ou envenenar o debate democrático em que, com lealdade e respeito recíproco, sem crispações, com vontade de dar opinião e com capacidade de ouvir outras opiniões, os comunistas têm o direito e o dever de participar com vista ao próximo Congresso do Partido.
E a meu ver, seria também um erro que, em vez de prepararmos um Congresso voltado para ajudar o nosso Partido a enfrentar com audácia, com novas energias a tarefa maior da sua crescente intervenção, afirmação e projecção - como uma grande força transformadora e portadora de um património, de uma identidade e de um projecto que são muitíssimo mais ricos e densos do que as curtas palavras que continuamos a usar para os referir - nos deixássemos aprisionar em contraposições esquemáticas, ou cristalizações de opinião.
Resumindo e concluindo: o PCP é um Partido adulto, experimentado e estamos convictos que não se deixará condicionar pelas intrigas, pelas rotulagens a tal ou tal dos seus membros; não "fechará para Congresso"; nem estará voltado para dentro. Na sua preparação vai procurar envolver o maior número de militantes e de organizações no debate, com dinamismo, mas serenamente, continuando com uma grande intervenção e determinação de luta nos mais diversos planos da vida nacional, dando respostas aos problemas do povo e do país e prosseguindo o rejuvenescimento e a renovação não ditada de fora, não ditada pelos outros, mas sim pelas análises e com os tempos definidos pelo colectivo partidário.
É certo que, para um PCP mais forte e mais influente e, portanto, em condições de pesar mais para a defesa dos interesses populares e pesar mais para a alternativa de esquerda porque lutamos, não nos esperam avenidas de facilidades. Mas o Partido vive um período e uma conjuntura em que pode dar novos passos com êxito para criar uma maior base de apoio à sua luta e às suas propostas e reforçar a capacidade de atracção do seu projecto de democracia e socialismo para Portugal.
E creio que este devia ser o eixo fundamental das nossas preocupações, da busca de respostas e soluções através da mobilização e da reflexão e acção criadoras de todo o colectivo partidário.


Como vês o papel do «Avante!» na dinamização do debate preparatório?

— O «Avante!» terá de dar grande visibilidade à preparação do Congresso desde esta fase de arranque até à sua realização. Pode ter também um papel de estímulo ao envolvimento dos militantes e à organização do debate e na terceira fase deverá ter uma «Tribuna» do Congresso, aberta à expressão dos militantes e ao aprofundamento da reflexão.

 



Há alternativas


Vai iniciar-se o debate sobre a Proposta de Orçamento de Estado para 2000. Quais são as linhas dominantes deste OE?

— É um Orçamento iníquo e injusto que vai continuar a acentuar as desigualdades e a não dar resposta a importantes problemas do país. Mantém os privilégios à banca. Os benefícios fiscais que em grande parte são concedidos às operações financeiras e especulativas sobem a mais de 400 milhões de contos. Não avança praticamente nada em relação ao combate de grande evasão fiscal.


A política de direita do Governo do PS caracteriza-se, basicamente, pelo favorecimento dos grandes grupos económicos e pela penalização dos trabalhadores. Achas que a resposta do Partido e dos trabalhadores a essa situação está a corresponder às necessidades?

— Na nossa avaliação, a resposta por diversas razões objectivas e subjectivas tem estado aquém das necessidades. Era necessário subir alguns degraus e passar-se a um patamar mais elevado.


O Governo acaba de anunciar mais uma privatização, desta vez a da Agência LUSA, a única agência de notícias ainda sob o controlo do Estado. Como comentas esta decisão?

— É um «fartar vilanagem». Este governo «socialista» aponta como um trunfo da sua governação o ter privatizado mais e mais depressa do que o PSD e por isso mesmo, tem tido os encómios dos grandes grupos económicos. Neste Orçamento está prevista a privatização de empresas, de casas, de terrenos...
Quanto à Agência LUSA, o que pode estar na forja é mais uma tentativa de desresponsabilização do Estado, com graves perigos para os direitos adquiridos e o futuro dos seus trabalhadores e para mais entorses e desvirtuamentos no pluralismo informativo.


Na mesma data da Cimeira da União Europeia está prevista uma Cimeira Alternativa por uma Europa Social, pela construção de uma sociedade mais justa. Como avalias estas duas iniciativas?

— Nos dias 23 e 24 de Março há várias iniciativas de que destaco a manifestação da CGTP-IN, o «Fórum internacional» promovido pelo nosso Partido, uma animação de rua impulsionada pela JCP, e uma cimeira alternativa que está a ser lançada pelo ATTAC (Associação para a Taxação das Transações Financeiras para a ajuda ao cidadão) em que já manifestámos a nossa disponibilidade de participação. O grande objectivo destas iniciativas é mostrar que há alternativa às políticas seguidas e que é necessário um outro rumo para a construção europeia.


À medida que avança o processo de integração na Europa os Estados perdem soberania e capacidade de decisão sobre cada vez mais matérias. Agora fala-se em acabar com a regra da unanimidade na tomada das decisões. Existe o risco de se criar um directório de países ricos?

— Esse risco existe. E também por isso é cada vez mais importante a cooperação, a solidariedade, o encontro de plataformas, mesmo que pontuais, e a luta comum, convergente ou complementar entre as diversas forças comunistas e outras forças progressistas e de esquerda.


A reacção da União Europeia à ascensão ao poder de um partido de extrema direita na Áustria, para além de duplicidade, representa para todos os efeitos uma manifestação de ingerência e de tutela sobre um Estado-membro. Estaremos condenados a um modelo político único na Europa?

— Não só não estamos condenados, como continuaremos a lutar por uma Europa de países soberanos e iguais em direitos, por uma Europa de cooperação e solidariedade, que respeite e valorize as diferenças culturais e que concretize o princípio de «coesão económica e social». Quanto à questão austríaca, o principal combate deve dirigir-se às ideias populistas, racistas e xenófobas de Haider e do seu partido e à denúncia e combate às políticas que criam o seu caldo de cultura.
A desresponsabilização do Estado, com a privatização da saúde, do ensino, da segurança social; o desemprego maciço, as largas manchas de pobreza, a pulverização de riqueza e a acentuação das desigualdades e injustiças sociais; o fosso crescente dos níveis de desenvolvimento entre os países da União Europeia e entre estes e os chamados países do «terceiro mundo».
Não basta condenar as consequências. E é necessário também prestar solidariedade às forças políticas e sociais que na Áustria resistem e lutam contra a ascensão da extrema-direita.



«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000