A eficácia da mentira e do silenciamento

Por Jerónimo de Sousa
Membro da Comissão Política



Sente-se o pulsar do descontentamento social. Ainda difuso, é certo, mas crescentemente a atingir diferentes grupos e camadas da população portuguesa.

Difuso ainda porque o Governo PS tem beneficiado de múltiplos factores de diversão e distracção, contando sempre com a corte dos situacionistas que de caneta e de palavra em riste, perfeitamente articulados e previamente orientados, determinam os assuntos que se devem calar, os que se devem falar e o tempo que devem durar.
Vem isto a propósito de alguns factos:
A proposta de Orçamento do Estado mostra que o Governo PS, na linha dos seus compromissos, opções e condicionalismos, está empenhado em prosseguir uma política económica e fiscal marcada pelas privatizações e pela manutenção das injustiças no plano dos impostos. Numa linha de continuidade, prevê arrecadar mais 500 milhões de contos com a venda do já delapidado património empresarial público.
Nas questões fiscais e particularmente em relação aos escalões do IRS, o que o Governo propõe para os trabalhadores é zero. Mas, em contrapartida, para o IRC prepara uma significativa baixa que traduzida no concreto significa um ganho de 50 milhões de contos para os detentores do capital. Nas propostas feitas à Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública o que há para oferecer a essas centenas de milhar de trabalhadores é um «aumento salarial» de dois vírgula qualquer coisa, o que na prática significaria um autêntico congelamento dos salários, tendo em conta a inflação verificada a par da falta de respostas a todas as outras grandes reivindicações do sector.


Cimeira de intenções

Em 23 e 24 de Março, sob a égide da Presidência Portuguesa da União Europeia, o Governo e os seus parceiros comunitários escolheram o grande tema do emprego.
Lendo o documento do executivo de Guterres, descontadas que sejam as declarações de intenções, sobra bem pouco quanto a medidas e objectivos concretos. Silencia as causas e os responsáveis da questão central da precariedade que afecta já mais de um milhão de trabalhadores particularmente as mulheres e os jovens.
Hipocritamente, o Governo PS propõe como linha estratégica o combate à saída precoce do mercado de trabalho. Mas... quem abençoou no sector dos transportes, das comunicações, da energia, da indústria naval e da metalomecânica–pesada, entre outros, a saída forçada e antecipada de dezenas de milhar de trabalhadores válidos para a produção ainda por muitos anos? Quem tomou a iniciativa legislativa para facilitar essa saída à escala de massas?
Tendo em consideração o traço contínuo da política económica e social era inevitável o agravamento da situação em grandes empresas, designadamente na TAP-Air Portugal, na Portugal Telecom, na LISNAVE, na SIEMENS, e na NORPORTE, onde estão ameaçados milhares de postos de trabalho e importantes direitos em resultado da privatização, segmentação e desactivação das empresas.


O engano não dura sempre

Quando o 1º Governo de Guterres tomou posse, há cerca de 4 anos, alcançou um acordo considerado histórico com a Frente Comum dos Sindicatos da Função Pública.
Deu o que deu.
Passado este tempo, assistimos logo no primeiro mês do ano 2000 a uma grande manifestação de protesto sindical deste sector face à proposta (e à falta de respostas) do Governo, estando marcada uma greve para amanhã, 18 de Fevereiro.
A decisão da CGTP-IN em realizar no próximo dia 23 de Março uma grande acção de massas pelo emprego com qualidade e de combate à precarização ensombrará, porventura, a encenação preparada pelo Governo na data da Cimeira.
São sinais claros de descontentamento e vontade de lutar.


Um Partido com iniciativa

O PCP apresentou propostas de fundo que vão ao encontro de aspirações dos trabalhadores, dos reformados, das mulheres. Continua a ser a única força que dá ânimo à luta, procurando despertar os trabalhadores e outras camadas sociais para a força que têm quando são capazes de agir e de lutar.
Mas, é claro, quantos saberão do valor das propostas do PCP em áreas tão importantes como as da fiscalidade, das reformas e pensões, da valorização dos salários, do emprego com direitos, do ensino com qualidade, da saúde, das pescas, da agricultura , da igualdade, da toxicodependência?
A eficácia da mentira e do silenciamento resulta por um tempo mas não dura o tempo todo.
Por nós, continuaremos a denunciar e a informar com verdade!


«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000