Jovens da PT, TMN e Telecel falam ao «Avante!»
Tecnologias da exploração

Por Domingos Mealha



As empresas de telecomunicações generalizam a contratação de pessoal abusando do trabalho temporário. O descontentamento aumenta e rompe o receio de represálias, a pior das quais é o despedimento.


Três jovens, de pouco mais de 20 anos, dispuseram-se a contar ao «Avante!» aquilo que já viram e sentiram na própria pele. Por motivos compreensíveis, pediram para não ser identificados. Serão, para os leitores, o José, o Manuel e a Ana.
O José esteve nove meses a trabalhar no «118», o serviço de informações da PT, onde continua até agora, mas contratado pela Time Sharing, uma empresa de trabalho temporário criada pela própria Portugal Telecom. Trabalha quatro horas por dia.
O Manuel também esteve no «118», durante ano e meio. Gabaram-lhe o desempenho, ele próprio evidencia orgulho por trabalhar bem. Mas, acabado mais um período de contrato a prazo, disseram-lhe que o serviço ia ser concessionado pela PT à Time Sharing e que, claro, contavam com ele nesta empresa... a ganhar menos 20 contos e com um subsídio de refeição muito inferior. Recusou e está agora na TMN, colocado através da Adecco, com uma jornada de trabalho de 5 horas.
A Ana está há ano e meio, a tempo inteiro, na Telecel, quase a terminar o segundo contrato a prazo. Acha que os profissionais do atendimento a clientes são «os operários dos serviços» nas empresas de telecomunicações: «Isto é como uma linha de montagem, dão-nos a cassette e põem-nos a repeti-la aos clientes.»


Qualidade ou contas

Logo nas boas-vindas aos novos «colaboradores», os responsáveis das empresas valorizam a importância de quem contacta os clientes, exigindo um desempenho ao nível dos «altos padrões de qualidade» do serviço. A prática rapidamente mostra que «o cliente é um número e um nível de facturação», enquanto a qualidade, mesmo credenciada oficialmente, pode significar períodos de espera até 15 minutos, conta a Ana. Por outro lado – o lado de dentro – os trabalhadores confrontam-se com falta de pessoal, ritmos de trabalho intensos (que atropelam o direito legal a pausas) e nenhuma perspectiva real de prosseguimento de uma carreira profissional. «Na TMN já só aceitam estudantes universitários, que é mesmo para verem aquele emprego como uma coisa passageira», diz o Manuel.
Quando o José recorda que «no "118" a regra é uma chamada não demorar mais de 60 segundos e só duas informações por cada telefonema», o Manuel conta que, depois de saber que na PT não lhe iam renovar o contrato, decidiu romper com estas regras e até explicava aos clientes as condições em que estava a trabalhar: «Eles ficavam surpreendidos, protestavam, mas reconheciam que a culpa do mau serviço não era nossa...»
A medida da tal «qualidade» fica melhor expressa quando os trabalhadores se põem a fazer contas, como sucedeu no «118»: por cada chamada, a PT cobra ao cliente 60 escudos; a duração média das chamadas situa-se pouco acima dos 30 segundos, o que torna realista uma média de cem chamadas por hora; um trabalhador, numa jornada de quatro horas, dá assim 24 contos a ganhar à empresa, ou seja, mais de 500 contos por mês; recebe, no entanto, 58 contos de ordenado.

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O PCP «está lá»

«O PS e o seu Governo mantêm um silêncio total sobre a degradação do emprego no sector», acusa o organismo das Telecomunicações da direcção regional de Lisboa do PCP, num folheto que está a ser distribuído nas empresas do sector e que por lá «está a dar que falar». A informação de Alexandre Teixeira, membro do Comité Central e da DORL, foi confirmada pelos jovens que entrevistámos. «Puseram no papel aquilo que as pessoas sentem e às vezes dizem em desabafos», reconheceu o José.
No folheto, os comunistas das empresas do grupo Portugal Telecom, da Telecel, da Optimus, da Oni, da Jazztel, da Novis e de outros operadores (onde o PCP está presente com níveis diferentes de implantação e organização) apontam o trabalho precário como «a mais "moderna técnica" de gestão, a "arma secreta" da "competitividade" e da "qualidade" oferecida ao consumidor». A precariedade manifesta-se nas formas de outsourcing, trabalho temporário, aluguer de mão-de-obra ou recibos verdes, que são aplicadas «de modo generalizado, às mais diversas funções e a todo o tipo de posto de trabalho permanente».


Retratos

«Existem locais de trabalho com cerca de 200 trabalhadores, onde apenas seis pertencem ao quadro da empresa», denuncia-se no folheto, que relata vários exemplos da actual situação laboral no sector.
A Adecco, classificada como «um "monumento" à polivalência e à flexibilidade», que tanto fornece mão-de-obra para as telecomunicações como para a ex-Sorefame, cometeu recentemente a proeza de deixar de pagar o estágio de formação, passando a arrecadar 64 horas de trabalho gratuito por cada estagiário.
No serviço de Apoio a Clientes da TMN, denuncia ainda o organismo das Telecomunicações de Lisboa, «trabalham centenas de jovens, todos subcontratados por outras empresas, não há qualquer trabalhador efectivo». Acentuando que os exemplos se repetem de forma generalizada nas várias empresas, no folheto são ainda referidas a TV Cabo, a Optimus e a Telecel.
Nesta situação, o PCP defende «o reforço de um movimento de opinião e de luta, pelo emprego com direitos, e pela admissão, para o posto de trabalho efectivo, de todos os trabalhadores com vínculo precário». Esta «é uma causa – a dignidade e valorização do trabalho – de todos os assalariados, que acabará por vencer», afirmam os comunistas.

Traduzindo na linguagem dos anúncios de telemóveis, reafirma-se assim que o PCP «está lá», «mais perto do que é importante» – os trabalhadores.



Por linhas tortas

Temporário


«A tendência será para cada vez mais empresas utilizarem serviços de trabalho temporário», afirma o director-geral da Atlanco, no último número da «Fortunas & Negócios», cantando que os resultados da sua empresa ultrapassaram as previsões em 50 por cento. João Lourenço refere com entusiasmo a Inglaterra, a França e a Irlanda, onde o trabalho temporário abrange mais de três por cento da população activa, enquanto em Portugal as estatísticas se ficam em um por cento.
Marcelino Pena Costa, director-geral da Manpower, diz na mesma revista que o recurso ao trabalho temporário «faz parte de uma gestão controlada de custos e de recursos humanos».
Como não é difícil compreender as vantagens das empresas que usam o trabalho temporário, a maior parte da peça da «Fortunas & Negócios» é dedicada a explicar os benefícios que pode ter o trabalhador e, até, a sociedade. «Os colaboradores vão tendo acesso a um emprego permanente», prega o presidente da Associação de Empresas de Trabalho Temporário, considerando que esta modalidade «evita a flutuação de grandes massas de desemprego», pois «quem está desempregado pode, rapidamente, ser trabalhador temporário». Um dirigente da UGT vem dar a sua mãozinha, defendendo que «a protecção social do trabalho está salvaguardada e o colaborador não permanente terá sempre oportunidade de ser recolocado noutra empresa».
Entre vantagens e desvantagens, o professor Arménio Rego, da Universidade de Aveiro, entorna alguma água no fervor dos entusiasmos, revelando que só «cerca de 30 por cento dos trabalhadores temporários conseguem emprego permanente», que «nem sempre a empresa-cliente lhes confere tratamento igual ao que atribui aos seus próprios colaboradores» ou que a dita empresa-cliente (que contrata a fornecedora de mão-de-obra) «pode recorrer indevidamente aos trabalhadores temporários para penalizar os seus próprios colaboradores».
Nos EUA, onde dez por cento da força de trabalho está em regime temporário (o que significa mais de 2,5 milhões de pessoas), foi criada uma página na Internet (www.temp24-7.com) para defender os direitos destes trabalhadores, que nas empresas são tratados como extra-terrestres, diz também a revista.
Por cá, a lei estipula que o recurso ao trabalho temporário seja feito para suprir necessidades pontuais das empresas, e é isso que fica escrito nos contratos. Para o Governo e a Inspecção do Trabalho, basta esta aparência de legalidade. Os patrões agradecem e as estatísticas do desemprego ficam mais apresentáveis... — DM


«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000