Ventos e tempestades

Por Paulo Trindade


A política de direita, ao serviço do grande capital, tem procedido a um processo de privatizações conducente à restauração dos grandes grupos económicos, à liquidação de direitos fundamentais dos trabalhadores, à precarização do emprego, à degradação da democracia, à capitulação face aos interesses dos países mais poderosos e das grandes multinacionais e à aceitação pelos governos da imposição de limitações à própria soberania nacional.

O processo privatizador, tendo começado pelo sector público estendeu-se já à própria Administração Pública.
É nesse contexto que se transformam serviços públicos em institutos públicos e até em sociedades anónimas, que se impedem empresas públicas de participarem em concursos, que, por omissão, se deixam áreas fundamentais como é a habitação, ao exclusivo critério dos ditames do mercado e que se verifica uma enorme promiscuidade entre o público e o privado sendo que os investimentos são públicos e os lucros são privados.
A designada reforma da Administração Pública, do Governo PS, com implicações em áreas tão importantes para os trabalhadores como a Segurança Social, a Saúde ou a Educação, alargam as privatizações, a tudo o que é rentável desde as estradas, aos estabelecimentos fabris das forças armadas, à água, aos resíduos sólidos, às florestas, à segurança, ao notariado, à administração fiscal, ao próprio património do Estado.
Este processo traduz-se para os trabalhadores do sector na desregulamentação, no aumento da precariedade, na redução do poder de compra, na privatização do vínculo laboral e traduz-se para todos os trabalhadores portugueses em menos serviços públicos, na degradação da qualidade desses serviços e em crescentes limitações ao respectivo acesso por via da criação de taxas numa lógica de mercado esvaziada de critérios de justiça social.
A dinâmica do lucro capitalista sobrepõe-se aos direitos sociais conduzindo a um falso Estado de Direito e que impõe que a luta dos trabalhadores seja implementada na defesa de serviços públicos de qualidade e no aprofundamento da democracia nas suas vertentes económica, social, cultural e política e em defesa dos interesses da própria independência e soberania nacionais.
Não é por acaso que os utentes, ou seja, todos os cidadãos portugueses, mas com especial relevo para os trabalhadores por conta de outrem que por via do IRS sustentam a grande fatia das receitas fiscais, passaram no léxico governamental a ser designados de clientes enquanto os dirigentes passam a gestores e, face à inevitável conflitualidade decorrente da política de direita, o actual Governo se propõe alterar a lei da negociação colectiva, os serviços mínimos e o quadro regulador das relações laborais da Administração Pública.
Não é também por acaso que o Governo do PS assume à mesa das negociações uma postura de afrontamento à dignidade profissional dos trabalhadores da Administração Pública, consubstanciada em propostas de actualização salarial abaixo da inflação prevista pelas mais diversas entidades e, quando o Governo é confrontado pelos Sindicatos com o não cumprimento da lei da negociação colectiva, responde que «recorram aos tribunais».
Desmotivar profissionalmente os trabalhadores da Administração Pública, impor-lhes actualizações salariais que serviriam de referencial a usas pelo patronato para a contratação colectiva da generalidade dos trabalhadores portugueses, constitui a estratégica clara da política de direita do Governo PS.
Trabalhadores desmotivados, condições de trabalho desregulamentadas, são terreno propício à degradação da qualidade dos serviços públicos para que de seguida se afirme que como o que é público não presta há que enveredar pela privatização.
Para desgosto daqueles que proclamaram o fim dos Sindicatos no ano 2000 os milhares de trabalhadores da Administração Central, Local, Enfermeiros, Médicos, Professores, trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas e de muitos outros sectores da Função Pública, deram a resposta na enorme manifestação de 27 de Janeiro último e, com força redobrada, unidos em torno dos seus Sindicatos, decidiram avançar para a greve de 18 de Fevereiro.

O Governo que se cuide, porque quem semeia ventos colhe tempestades.


«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000