A questão agrária permanece a chave do desenvolvimento
Alentejo exige a terra!

Por Carlos Nabais



Houve um tempo em que Reforma Agrária significava a terra a quem a trabalha - uma frase simples, de entendimento fácil e justiça óbvia, que se materializou numa das mais belas e surpreendentes experiências da Revolução de Abril. Foi há 25 anos.

Em 9 de Fevereiro de 1975, realizou-se em Évora a 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul. Contaram-se na altura mais de 10 mil participantes que, no calor de uma revolução popular e democrática, decidiram avançar com uma reivindicação secular e resolver de uma vez por todas a questão do uso e posse da terra. Este marco histórico foi lembrado quarta-feira da passada semana, quando se completavam 25 anos sobre o início da Reforma Agrária
Para a sessão, promovida pela Direcção Regional do Alentejo, o convidado foi Álvaro Cunhal, ele próprio um participante na conferência de 75. Mas mais do que memórias do passado, o que ouvimos da sua boca foram reflexões sobre o presente, apontadas com convicção para um futuro que se fará com trabalho e luta.
A sessão foi aberta por Raimundo Cabral, responsável pela DOREV do PCP, que lembrou o papel desempenhado pelo PCP quer antes do 25 de Abril, pela melhoria das condições de vida dos operários agrícolas contra a exploração dos grandes latifundiários, quer depois apoiando e dinamizando a grande transformação da reforma agrária no Alentejo e nos campos do sul do Ribatejo.


A conquista

Pela primeira vez, os trabalhadores tomaram nas suas mãos a gestão e o cultivo de mais de uma milhão de hectares de terra, até então votados ao abandono pelos grandes proprietários.
Num curto espaço de tempo, foram feitos grandes avanços, no campo agrícola, através novas formas de exploração da terra e introdução de novas cultura, mas também no aspecto social, como sublinhou Raimundo Cabral. «Os trabalhadores que ocuparam as terras não pensaram só em si e nos seus empregos. Pensaram também em criar melhores condições de vida às populações. Foi um processo de solidariedade».
Destruída a Reforma Agrária, na sequência de uma longa e feroz ofensiva, os campos voltaram a ser abandonados, agravou-se o desemprego e muitos tiveram de procurar trabalho noutras regiões e países, acentuando-se o despovoamento e a desertificação.
Para os comunistas, afirmou Raimundo Cabral, a terra tem de desempenhar a sua função social. Por isso, referiu, embora com processos diferentes, é necessária uma nova reforma agrária.


Criatividade

Álvaro Cunhal lembrou que a exigência de uma reforma agrária é muito anterior à própria criação do Partido Comunista Português, mas continua actual porque, afirmou, «não pode haver uma agricultura desenvolvida, nem os problemas das populações podem ser resolvidos enquanto as terras continuarem por cultivar e servirem apenas para as caçadas dos senhores que vêm de Lisboa».
Recordando a sua participação na 1ª Conferência, o dirigente comunista disse que as cooperativas criadas não seguiram qualquer modelo retirado de outros países e isso intrigava as delegações estrangeiras, nomeadamente de países socialistas que visitaram na altura o Alentejo. As UCP´s «não eram nem kolkhozes ou sovkhozes», mas o resultado da criatividade dos trabalhadores, que procuraram as soluções para o desenvolvimento agrícola e para a satisfação das necessidades fundamentais. Num curto espaço de tempo, criaram-se centenas de UCP’s que registaram grandes êxitos na diversificação das culturas, na mecanização, irrigação, chegando a dar emprego a mais de 75 mil pessoas.
Em todo este processo, frisou, «os trabalhadores contaram com um partido revolucionário, da classe operária e dos trabalhadores ao serviço das populações - um partido convicto, corajoso e combativo. E na batalha que temos de travar em relação ao futuro, não pode ser dispensado um tal partido». disse.

 

Os trabalhadores agrícolas que ocuparam as terras
contaram sempre com o apoio do PCP

Um Partido necessário


Vinte e cinco anos depois dos trabalhadores terem decidido avançar com essa «conquista maravilhosa da revolução», como lhe chamou Álvaro Cunhal, o Alentejo continua à procura de solução para os seus problemas e de um caminho que para o seu desenvolvimento. Consciente de que as soluções hoje têm de ser diferentes, Álvaro Cunhal considerou que, tal como antes, as populações alentejanas continuam a necessitar de um partido revolucionário como o PCP.
A propósito, o dirigente comunista referiu-se ao documento aprovado na reunião do Comité Central de 5 e 6 de Fevereiro, onde se confirmam as principais características do PCP, «como partido da classe operária e de todos os trabalhadores, dedicado ao povo, atento às transformações e pronto a considerá-las, e que continua a pensar o marxismo-leninismo como um elemento da sua vida e da sua afirmação».
«Quando o domínio económico e político está nas mãos dos grandes grupos económicos, hoje ligados ao capital estrangeiro e às grandes transnacionais, que contam com o apoio do Governo», sublinhou Álvaro Cunhal, «não se pode dizer que os trabalhadores têm os seus direitos assegurados».
Recusando qualquer possibilidade de, numa perspectiva imediata, se caminhar para uma alternativa de esquerda com o Partido Socialista, Álvaro Cunhal sublinhou a necessidade de, ao contrário do que o primeiro-ministro aconselhou, os comunistas não deitarem fora o seu passado, e não se transformarem num outro partido, social-democratizante.
Em relação à evolução mundial e aos grandes problemas criados pela «globalização», Álvaro Cunhal salientou que não devem ser «encarados com desespero e desânimo». Pelo contrário, é necessário ter confiança para «unir todos os que sejam favoráveis a transformações positivas» e encontrar «uma alternativa democrática e patriótica para os tempos mais próximos, mantendo sempre no horizonte a construção de uma sociedade socialista, naturalmente aproveitando as lições positivas e negativas das experiências noutros países, que durante algum tempo conseguiram construir uma sociedade sem explorados nem exploradores».



A chama continua acesa

Entre as várias intervenções feitas a partir da assistência, duas destacaram-se por serem feitas por dirigentes de cooperativas que ainda sobrevivem no Alentejo. É o caso da UCP de Campo Maior que, ainda conserva «a mesma a gestão, a mesma forma de actuação, o mesmo comportamento. Mantivemos o espírito da Reforma Agrária e vamos continuar a fazê-lo por muitos mais anos», disse um camarada presente.
Também a Cooperativa de Montargil continua a laborar apesar de as consequências da emigração e da desertificação se fazerem sentir gravemente. «O problema é que não há gente nova para trabalhar. Chegámos a dar emprego a quase 800 pessoas, numa terra que tinha seis mil habitantes. Hoje, todos têm a sua reforma graças aos descontos que fizeram na cooperativa». Estes exemplos são raros, como referiu depois Álvaro Cunhal, e só existem porque «algumas cooperativas conseguiram alugar terras em condições favoráveis». Sem constituírem uma solução, as UCP’s sobreviventes continuam a assegurar emprego e mantêm serviços sociais como o transporte de crianças para as escolas, ou de doentes para os hospitais.
José Soeiro, membro da Comissão Política e responsável pela Organização Regional do Alentejo, salientou que diversos estudos oficiais concluem que a primeira causa da desertificação foi a destruição da reforma agrária. Hoje, afirmou, «a estrutura do uso e posse da terra continua a ser o principal entrave ao desenvolvimento da Região». José Soeiro citou a própria Constituição da República, que apesar das sucessivas revisões continua a consagrar princípios que apontam para a liquidação do latifúndio e de promoção do acesso à terra por aqueles que a trabalham. Como referiu, não é só o PCP que assim pensa: «outras vozes recolocam o problema», que ganha nova actualidade com os investimentos do empreendimento do Alqueva e ao Plano de Rega do Alentejo.
«Quando olhamos à nossa volta, quando dialogamos com todas as entidades e estruturas do Alentejo, e fundamentalmente com os trabalhadores, pequenos agricultores, com os pequenos e médios comerciantes e industriais, com os desempregados, vemos pessoas que querem o mesmo que nós queremos. Temos de trabalhar com confiança para unir essas vontades por um Alentejo desenvolvido e de progresso para todos», concluiu José Soeiro.


«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000