Fosso entre
ricos e pobres agravado na última década
O
império das desigualdades
Os EUA registaram na década de noventa uma notável
expansão económica, mas os benefícios do crescimento não
beneficiaram de igual modo o povo americano. Dois estudos
recentemente publicados revelam que os ricos são hoje cada vez
mais ricos e que os pobres estão agora mais pobres do que há
dez anos.
De acordo com o
estudo divulgado pelo Instituto de Política Económica e o
Centro para as Prioridades Orçamentais, que cita dados oficiais,
20 por cento das famílias com situação mais desafogada
dispunha, em finais de 1999, de um rendimento anual rondando em
média os 137 000 dólares, valor dez vezes superior ao
rendimento de 20 por cento das famílias mais desfavorecidas, que
não ia além dos 13 000 dólares por ano (montante, em ambos os
casos, antes do pagamento dos impostos).
Esta diferença é tanto mais significativa quanto se agravou em
relação à situação que se verificava no final da década de
oitenta, ou seja, antes de ter início o que já é considerado o
maior e mais forte ciclo de crescimento económico da história
dos EUA.
Os dados mostram que, descontada a inflação, os rendimentos
reais da população norte-americana mais rica aumentaram 15 por
cento entre 1988 e 1998, enquanto os dos mais pobres subiu apenas
um por cento.
O estudo, que divide as famílias em cinco grupos de igual
tamanho, revela que, em termos reais, o mais rico conta agora com
mais 17 480 dólares por ano, enquanto o mais pobre conta apenas
com mais 110 dólares anuais.
As causas para esta situação apontadas no estudo contrariam
abertamente o discurso oficial. A desregulamentação e a
liberalização, afirma o documento, traduziram-se num
«enfraquecimento das redes de protecção social» e na
«dificuldade de fazer aplicar as leis laborais que regulam o
direito à negociação colectiva». Para além disso, prossegue
o estudo, «as mudanças nas estruturas de impostos locais,
estaduais e federais aceleraram a tendência para a desigualdade
crescente que emerge no mercado de trabalho».
Euforia bolsista
e sopa dos pobres
Em Nova Iorque,
capital da especulação bolsista, os operadores da Wall Street
não têm motivos para se queixar. Os seus rendimentos ascenderam
em 1999 a 12 000 milhões de dólares, o dobro dos rendimentos de
há cinco anos. De registar que, embora representando apenas 2,2
por cento da população activa do estado de Nova Iorque, a Wall
Street gera 58 por cento do seu Produto Interno Bruto.
Em termos globais, o grupo dos 20 por cento mais ricos ganha 153
350 dólares anuais, o que representa um aumento de 19 680
dólares desde o início do ciclo de crescimento económico.
Bem diferente é a situação do grupo dos 20 por cento de
famílias mais pobres, cujo rendimento é agora de 10 770
dólares anuais, ou seja, 1 970 dólares a menos, em termos
reais, do que há uma década.
Algumas organizações norte-americanas têm procurado
desdramatizar estes dados, como é o caso da Heritage Fondation,
bem conhecida do público português através de séries de
ficção em que é apresentada como defensora dos mais elevados
valores da paz, da democracia e da justiça. Segundo Robert
Rector, economista da Fundação, as diferenças entre ricos e
pobres não são assim tão gritantes se se tiver em conta os
«benefícios sociais» de que estes últimos dispõem,
designadamente «as senhas de refeição», vulgo sopa dos
pobres. Sem comentários.
Um outro estudo entretanto divulgado pelo Centro sobre Fome e
Pobreza da Tufts University, considerado o mais abrangente desde
1996, revela que 30 milhões de americanos passam fome. No país
mais rico do mundo, que se diz campeão da democracia, da
liberdade e da igualdade, uma em cada seis crianças vive numa
família que nem sequer tem assegurada a sua alimentação.
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Famílias
endividadas
O insuspeito banco central norte-americano (Reserva Federal) confirma igualmente o agravamento das desigualdades nos EUA. Segundo os seus dados, os rendimentos reais da família média norte-americana passaram de 60 900 dólares anuais para 71 600 dólares entre 1995 e 1998, mas o crescimento beneficiou apenas as camadas mais ricas.
Segundo a Reserva Federal, as famílias mais pobres, com menos de 50 000 dólares anuais, viram a sua situação degradar-se nos últimos anos. Uma das consequências desta realidade é o crescente endividamento das famílias, fenómeno já considerado um dos «cancros» da economia dos EUA, quer a nível nacional quer individual. De acordo com os dados do banco central, uma em cada oito famílias gastou em 1998 mais de 40 por cento dos seus rendimentos no pagamento de empréstimos e dos respectivos juros. Entretanto, as dificuldades das famílias em satisfazerem os seus compromissos são cada vez maiores: a percentagem das que se viram obrigadas a atrasar em dois ou mais meses o pagamento das suas dívidas subiu de 7,1 por cento em 1995 para 8,1 por cento em 1999.