Divergências entre Londres e Dublin



A suspensão do governo do Ulster voltou a agravar as desconfianças entre unionistas e o governo britânico, por um lado, e nacionalistas, republicanos e o executivo da Irlanda, por outro. As negociações directas entre Londres e Dublin, iniciadas na segunda-feira para evitar o descarrilamento total do processo de paz, não esconde que as divergências entre os governos dos dois países são as mais sérias dos últimos três anos.

Em causa está o facto de o governo autónomo de Belfast ter sido suspenso pouco antes da divulgação do segundo relatório da Comissão de Desarmamento em que se dá conta dos avanços positivos registados nesta matéria por parte do IRA. Sabendo-se que o pretexto para a suspensão foi justamente o alegado impasse quanto ao desarmamento, torna-se difícil não admitir que o objectivo visado é outro.
Invocando a «crise», Londres e os unionistas falam agora abertamente na «necessidade» de rever o Acordo de Sexta-feira Santa de 1998 (que foi revisto há menos de seis meses), e um acordo «prático» sobre o desarmamento. A enveredar-se por este caminho, as conversações directas entre o IRA e a Comissão de Desarmamento seriam postas em causa. Como questionou o dirigente do Sinn Fein, Gerry Adams, «como pode alguém trabalhar com uma comissão que quando faz um relatório que não agrada ao governo britânico e aos unionistas é atirado para o caixote do lixo?».


Impasse

Na verdade não se percebe, a não ser à luz de uma inadmissível cedência aos unionistas, a pouco importância dada por Londres ao relatório da Comissão de Desarmamento quando esta considera ter «pela primeira vez um compromisso do próprio IRA de que o desarmamento será levado a cabo», como afirmou o primeiro-ministro irlandês, Bertie Ahern, para quem tal compromisso é «um avanço enorme».
Num artigo publicado no Irish Times, Ahern sublinha que «a suspensão não faz parte dos termos» do Acordo de 1998, e defende que a sua manutenção só poderá agravar a situação no Ulster. «A comissão de De Chastelain é o instrumento para o desarmamento e a chave para o tornar realidade», defende o político irlandês.
Londres garante não subestimar o significado do relatório, nas palavras do ministro para a Irlando do Norte, Peter Mandelson, que afirmou mesmo que «se (o relatório) significa o que parece significar, pode ser o primeiro sinal de que o IRA se prepara para deixar as armas de uma vez por todos». No entanto o governo britânico, em sintonia com os unionistas, não se dá por satisfeito e exige «maior clareza» para revogar a decisão de suspender o governo autonómico do Ulster.

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O Relatório Chastalain


Principais excertos do relatório de John de Chastelain, presidente de la Comissão de Desarmamento, divulgado pouco depois da suspensão do governo do Ulster.:


• A partir de Dezembro de 1999, o IRA comprometeu-se a colaborar francamente com a Comissão e tomámos nota da sua intenção de o continuar a fazer.

• Também tomámos nota da afirmação do IRA de que a questão das forças britânicas e dos paramilitares lealistas da Irlanda do Norte deve ser abordada. Enquanto que o futuro das tropas britânicas está fora do nosso âmbito, a eliminação da ameaça que representam as armas dos paramilitares lealistas está claramente dentro do âmbito da Comissão. Os representantes lealistas comunicaram-nos o seu compromisso de abordarem a questão das suas armas no contexto das acções similares que o IRA venha a tomar. (...)

• Saudamos a convicção do IRA de que «o estado de crise permanente» pode ser evitado e de que a questão das armas pode ser resolvida. Consideramos particularmente significativo e vemos como um progresso valioso a afirmação que foi feita pelo representante do IRA de que o IRA considerará como depor as armas e os explosivos, no contexto da implementação total do Acordo de Sexta-feira Santa, e no contexto do fim das causas do conflito.

• A Comissão saúda o reconhecimento do IRA de que a questão das armas necessita de ser tratada de uma forma aceitável e de que isso é um objectivo necessário para um genuíno processo de paz e a sua declaração de que por essas razões estão comprometidos connosco. A Comissão saúda também o compromisso do IRA de apoiar e intensificar a sua contribuição para uma paz duradoura e a sua declaração de que apoiaram e continuarão a apoiar os esforços para assegurar a resolução do problema das armas.

• O representante indicou-nos hoje o contexto em que o IRA iniciará o processo de deposição das armas, de uma forma que nos assegure a máxima confiança pública.


«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000