Kohl e os patrocinadores

Por Rui Paz


 

«Democracia. Vende-se ou aluga-se. Perfeitamente integrada na União Europeia e na Nato. Muito lucrativa. Óptimo investimento. Resposta a Helmut Kohl - CDU/CSU -


Depois da catastrófica entrevista de Kohl à ZDF, este pequeno anúncio constitui uma verdadeira síntese daquilo que foi o programa político do antigo chanceler da Alemanha. Após ter confessado o seu apoio ao financiamento de determinadas forças políticas de Lisboa a Danzig, Kohl revelou ainda perante as câmaras da TV não se poder recordar da origem dos dinheiros recebidos pela CDU a partir de 1989, uma vez que nunca tinha entrado tanto dinheiro para os cofres do partido como naquele período eufórico de «Maastricht e da Unificação». No dia seguinte, o popular apresentador de sátira política Dieter Hildebrand defendeu no programa «limpa-brisas» (ARD) que a democracia-cristã, além da «reposição dos milhões» ilegalmente depositados no estrangeiro, também deveria «devolver a RDA».
Para refrescar a memória do antigo chanceler, o «Neues Deutschland» acaba de publicar a lista dos cem mais potentes patrocinadores da União Democrata-Cristã (CDU/CSU) referente aos últimos dez anos. O total das ofertas monetárias legais, entre 1989 e 1998, foi de 66,23 milhões de contos. O primeiro lugar na lista é ocupado pelo maior accionista da economia alemã, o Deutsch Bank, com 558 520 contos. Esta quantia abrange apenas os donativos da central em Frankfurt e não inclui as dádivas das filiais nem as grandes empresas controladas por aquele potentado financeiro.
Entre os cem mais generosos financiadores da União Cristã encontram-se muitos outros nomes bem conhecidos da banca e dos seguros como o Dresdner Bank, Commerzbank, Deutsch-Südamerikanische Bank, Allianz..., assim como da indústria e das comunicações (Bosch, Mannesmann, Henkel, Haniel, Bertelsmann...). A Daimler-Crysler AG de Stuttgart (Mercedes), da qual o Deutsch Bank através da compra das acções ao grupo Flick (outro grande patrocinador de Kohl) se tornou o principal accionista, contribuiu com 501 000 contos enquanto a BMW achou que a CDU/CSU só era merecedora de 196 690 contos. Para compensar um pouco aquela diferença, os multimilionários Quandt de Bad Homburg, proprietários da BMW, acrescentaram a título pessoal mais 85 000 contos. Mas o papel da democracia-cristã como instrumento de controlo do poder político pelo grande capital aparece com mais clareza ainda no milhão e setecentos mil contos oferecidos provenientes só das seis mais generosas federações patronais.
Muitos destes patrocinadores aparecem nas listas de financiamento do SPD e dos Liberais embora com contribuições substancialmente mais reduzidas. Enquanto a CDU/CSU em 1998 recebeu 60 900 contos do Deutsch Bank, o SPD teve de contentar-se com 21 000. Mesmo assim não se pode dizer que o capital seja ingrato se tivermos em conta o esforço da social-democracia junto do movimento sindical reformista na aceitação de conceitos como flexibilidade, diminuição dos custos do trabalho, privatizações, etc...
Os Verdes não puderam contar até agora com um único marco dos cofres do capital, provavelmente porque a sua conversão ao novo militarismo e à NATO ainda é demasiado recente para produzir dividendos. Finalmente o PDS também foi excluído dos patrocínios políticos do capital. Para os proprietários da democracia um partido que mantém como objectivo programático a democracia socialista é um inimigo a abater e não um aliado a apoiar. Estes dinheiros oferecidos pelo capital aos partidos da sua preferência são perfeitamente legais segundo a legislação actualmente em vigor na Alemanha. A presença do casal multimilinário Ehrling na lista dos financiadores da CDU com 334 900 contos depois de lhe ter sido dada a preferência na compra de 31 000 habitações dos correios privatizadas pelo governo-Kohl, constitui uma excepção. A norma nestes casos é a lavagem de dinheiro em contas secretas no estrangeiro com a ajuda dos serviços secretos, como aconteceu com o negócio dos tanques da thxssen à Arábia Saudita ou com a Siemens. É indiscutível que as contribuições oficiais do capital alemão a determinados partidos são proporcionais ao zelo que estas organizações mostram na defesa do sistema. Não se trata unicamente de recompensar influências ou decisões do poder político na realização de determinado negócio concreto. Como salienta o Neues Deutschland, está-se em presença de uma espécie de «contribuição regular à mafia» pelo papel que certas organizações políticas desempenham «na defesa de um sistema cuja função consiste prioritariamente em proteger a riqueza e os privilégios dos seus patrocinadores».


«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000