Ligações Perigosas



Passou pelas páginas de alguns jornais, poucos e como gato em telhado de zinco, a noticia de que na sequência do escândalo dos financiamentos do partido alemão de Helmut Khol um jornal daquele país decidiu trazer a público o dossier sobre o financiamento prestado pelo SPD de Helmut Schmidt nos anos de 1975/76 ao Partido Socialista e a alguns outros partidos da direita que em Portugal combatiam «a ameaça comunista».
Passando ao lado da irrelevante questão de se saber, a fazer fé na dúvida adiantada pelo citado jornal alemão, se estes apoios acabaram por ser integralmente encaminhados para a nobre e elevada tarefa que os motivou ou se para o não menos nobre e desinteressado encaminhamento para a conta pessoal de uns quantos «combatentes da liberdade», o que há a reter da questão é o seu significado e as ilações que legitima.
A primeira, como que a comprovar a justa ideia de que a verdade vem sempre ao de cima, pelo que confirma sobre o papel, pressupostos e objectivos em que se fundou o processo contra-revolucionário em Portugal, ao serviço de que potências e interesses estrangeiros foi realizado e quem se prestou a esse papel. Ainda que com o mérito inerente de permitir a uns quantos passarem a ver, se a esse esforço se dispuserem, quem é quem e o quê em matéria de perigosas ligações ao exterior.
A segunda para atestar que, em matéria de princípios e de recurso à tese de que os fins justificam os meios, para os auto-proclamados «combatentes da liberdade», tanto os de cá como os de lá , não há que olhar a meios para fazer prevalecer, ali onde podem estar ameaçados, os poderosos interesses económicos e de classe de que são principais agentes. Nem que para isso se disponham à cumplicidade com serviços secretos, à conspiração com a extrema direita de que a espaços fazem questão de se distanciar, ou a espezinhar expectativas dos povos a uma vida melhor e a uma sociedade diferente.
A terceira para fazer notar que para os construtores do (seu) mundo livre e para os guias espirituais das chamadas democracia ocidentais, conceitos como os de soberania ou patriotismo são tão relativos e acessórios quanto em cada momento o recomende os sagrados interesses de quem os comanda.
Aos que vão discorrendo mais ou menos abstractamente sobre as maleitas do sistema político e a transparência dos mecanismos de financiamento dos partidos e aos que apressadamente correm a salivar atrás de uma qualquer pista que ainda que sem fundamento possa lançar a suspeição sobre os comunistas, aqui fica uma sugestão. A de, se para isso se sentirem livres para o fazer, darem ainda que timidamente alguma atenção ao tema e questionarem, mesmo que pedindo desculpa prévia por o fazer, os que mais directamente podem ter alguma coisa a esclarecer sobre o assunto. — Jorge Cordeiro


«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000