O sistema
Uma após outra, as
democracias-ocidentais-de-economia-de-mercado revelam-se, cada
vez mais, apenas mercados. Sistemas de poder que defendem os
interesses de classes dominantes, e ao mesmo tempo, interesses
individuais e empresariais de quem financia ou subsidia,
directamente, os indivíduos e organizações que ocupam, num
dado momento, as cadeiras do Poder. É o quadro que emerge das
revelações dos últimos anos em Itália, no Japão, na
Bélgica, em França, nos EUA, no Reino Unido. E agora na
Alemanha. Para não falar no nosso país... Financiamentos a
troco de negócios de armas, de privatizações, de contratos, de
subsídios, de favores. Numa promiscuidade onde as ideologias e
os princípios cedem o lugar aos negócios e aos interesses.
Vemos grandes capitalistas a financiar «socialistas».
Traficantes de armas a financiar «democratas-cristãos».
Ouvimos falar de son ami Miterrand que financiava son
(soi-disant) adversaire, Khol. É caso para dizer que há já
muito tempo se está a concretizar, pela calada, a privatização
da democracia. Ou como diria Gonelha, «quem quer
decisões políticas, paga-as». Há algo de inevitável nisto
tudo, em sociedades que consideram o dinheiro o metro de todas as
coisas, e o lucro o critério de todas as virtudes. Já Marx e
Engels, no Manifesto do Partido Comunista, diziam (há 152
anos...) que o domínio da burguesia «não deixou outro laço
entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível
"pagamento a pronto". (...) Resolveu a dignidade
pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades
bem adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem
escrúpulos, do comércio». Como surpreender-se se a coisa
pública se torna coisa privada, e o interesse
público se transforma em interesse privado?
Privatização do Poder. Dirão os cínicos que assim, ao menos haverá transparência. Já se imaginam os títulos dos jornais: «foi lançada uma Operação Pública de Venda (OPV) do Ministro das Obras Públicas». Ou então: «após a jornada de ontem na Bolsa, o Grupo Sonae passa a deter 40% do Ministro da Economia, ficando outros 30% nas mãos do grupo espanhol Santander». Ou ainda, «foi ontem concluído o contrato para a temporada 2003-2007: na próxima legislatura, Ministro e Secretários de Estado da Educação descerão ao terreno com a publicidade da Microsoft nas camisolas». Dirão os tradicionalistas que assim regressariam os bons velhos costumes: após o interregno do sufrágio universal, imposto por Cartistas, sufragistas, partigiani e Capitães de Abril, voltariam a ser apenas os proprietários ricos a escolher chefes políticos. Fica mais barato e é mais seguro. Dirão os eficientistas que se o «corpo eleitoral» fôr constituído apenas por quem tenha os meios para adquirir três partidos políticos, teremos finalmente a verdadeira Reforma do Sistema Político que garantirá a aproximação definitiva entre eleitores e eleitos... Belmiro de Azevedo, Jardim Gonçalves, um Champalimaud e dois Espírito Santos poderão reunir-se regularmente com os seus «eleitos», a fim de garantir que estejam, de facto, a cumprir a vontade dos «eleitores». Sendo tão poucos, até se poderiam juntar num fim de semana, lá para as bandas de Cascais. Em mangas de camisa, que é para ser mais informal...
Fica uma dúvida. Se é este «O Sistema», porquê o fervor em alcançar «a integração dos comunistas no sistema político»? Vontade de ricos e poderosos de gastar mais algum dinheiro em financiamentos? Ou necessidade de eliminar as alternativas? De deixar a revolta e o protesto sem voz e expressão política? Ou entregue a Haiders e Le Pens. Que, afinal, sempre são da casa. Jorge Cadima