Os caminhos da União Europeia

Por Ilda Figueiredo
Deputada do PCP no Parlamento Europeu



Na recente comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu sobre os objectivos estratégicos para o período 2000-2005, afirma-se que os cinco anos da Comissão Prodi serão um período de grande mudança. A Europa tornar-se-á mais integrada e, simultaneamente, a União prosseguirá o processo de alargamento para o que chamam a «(re-)unificação do nosso continente».

Por diversas vezes, o Presidente Prodi demonstrou ter muita pressa no seu caminhar para a completa federalização de uma União Europeia mais vasta. Mas creio que nunca tinha ido tão longe na clarificação da sua posição. O desejo de deixar o seu nome ligado à Presidência de uma Comissão que consiga transformar-se no governo de toda a Europa, talvez seja o afloramento do velho sonho napoleónico a atormentar o pensamento deste senhor italiano que quer ser obreiro dos últimos passos que faltam para uma União federal, com, pelo menos, 30 países submetidos ao governo da «sua» Comissão.
A convergência de políticas e práticas entre PSE e PPE continua. Depois do mercado único e da moeda única, do Pacto de Estabilidade e dos critérios de convergência nominal, com as suas consequências desastrosas no agravamento do desemprego, da precariedade do emprego e da exclusão social, surgem novas perspectivas de entendimento.
E, quase sorrateiramente, uma política federal vai sendo construída em áreas fundamentais da soberania dos povos dos Estados membros da União Europeia. Sob o pretexto de que é necessário uma política de defesa comum, a via armamentista triunfa e vai transformando a UE no braço europeu da NATO, dando, afinal, seguimento às teses mais federalistas e aos interesses da indústria das armas e da guerra.
Claro que a construção de uma Europa federal exige também novas reformas institucionais. Assim, a propósito do alargamento, apontam a necessidade de reformar as instituições europeias para manter a eficácia. A abertura, esta semana, da Conferência Intergovernamental (CIG) surge como a possibilidade de haver novos aprofundamentos no caminho que Prodi sonha. Só que, pelo caminho, poderão ser postos em causa quer os direitos dos pequenos e médios países como Portugal, quer o equilíbrio de forças nas instituições europeias.
A unidade das duas principais forças políticas europeias (PSE e PPE) também funciona sempre que é preciso dar passos para limitar direitos dos cidadãos imigrantes de países terceiros, de que são exemplo o acordo de Schengen e o programa Eurodac. Em nome da segurança, vão construindo uma Europa fortaleza, esquecendo que uma parte dos países da UE foram colonizadores dos povos cuja circulação agora querem limitar, embora, simultaneamente, não possam passar sem eles, já que são a mão de obra barata que permitiu a retoma económica de que a Comissão tanto se vangloria. Mas são imigrantes. Logo, cidadãos de segunda, mesmo que o Tratado da CE se proponha, no seu artigo 13º, combater as discriminações em função do sexo, raça ou origem étnica religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.
Discriminações e desigualdades sociais que são a marca dominante da UE, e que se mantêm nas mais diversas áreas, negando, na prática, a cidadania europeia de progresso e bem estar que as populações tanto ouviram prometer nas campanhas eleitorais. Mas em que também parecem acreditar cada vez menos, como revelou a enorme abstenção nas eleições europeias.
Aí estão os números de que os governos da União Europeia deviam ter vergonha, e para os quais a Comissão não apresenta propostas credíveis: 50 milhões de pobres, cerca de 16 milhões de desempregados, empregos precários e mal pagos de milhões de mulheres e de jovens. O que cria o caldo de cultura favorável ao crescimento de posições xenófobas e racistas cada vez mais frequentes por toda a Europa, incluindo a Espanha, França, Alemanha, Itália, Bélgica ou Suíça, nesta última com tentativas de usar contra os imigrantes práticas genéticas que lembram o nazismo. A situação da Áustria não é senão um dos afloramentos, embora muito perigoso, do crescimento das forças da extrema-direita.
É neste quadro que se exige, cada vez com maior urgência, um novo rumo nas políticas da União Europeia, no avanço para a coesão económica e social, na defesa da soberania dos Estados membros, na construção de uma via de progresso e de paz. O que também exige novas políticas macro-económicas de desenvolvimento económico sustentado, com o objectivo de atingir o pleno emprego e acabar com a exclusão social, criando empregos de qualidade e com direitos e melhorando a protecção social. O que, naturalmente, pressupõe o fim do Pacto de Estabilidade e das políticas do capitalismo neoliberal.


«Avante!» Nº 1368 - 17.Fevereiro.2000