PS e PP viabilizam OE 2000
Tudo pelo capital



A previsibilidade foi total. Carlos Carvalhas chamou-lhe a «história de uma viabilização anunciada». O Orçamento de Estado para 2000 passou, na generalidade, com os votos dos deputados socialistas e o beneplácito posicionamento do CDS/PP, que se absteve. Todas as restantes bancadas votaram contra.


Com o seu desfecho antecipadamente conhecido, face à anunciada viabilização dos populares, este foi um debate do qual pouco ou nada havia a esperar. Perante um inegável «mau orçamento para o País e para os trabalhadores», como o classificou a bancada comunista, só por absurdo seria de admitir que por maiores que fossem as alterações se conseguiria mudar a sua natureza.
Descontada a retórica social que enxameou os discursos do Governo, com efeito, o que sobreveio de modo claro do debate foi a conclusão de que as opções e prioridades da acção governativa continuam a ser determinadas por uma orientação neoliberal e por uma marca de classe. A demonstração, numa crítica cerrada, fê-la a bancada do PCP, pela voz de Octávio Teixeira. Desde logo em matéria de política fiscal que considerou ser a questão central deste Orçamento, seja do ponto de vista ideológico, político ou social.
Mais do que nunca, segundo o líder da bancada comunista, está presente a «opção por uma política fiscal de classe». No plano ideológico, justificou, porque assume a vontade inequívoca não só de manter os principais factores de desigualdade e de injustiça do sistema fiscal como até de os agravar concedendo um tratamento de privilégio aos rendimentos do capital.
No domínio político, porque no âmbito da justiça fiscal o Orçamento «consubstancia um retrocesso evidente» relativamente ao anterior. Invertendo o sentido de maior justiça fiscal entre os contribuintes que pagam IRS, introduzido no orçamento de 1999 por acção do PCP, o Governo arrepiou caminho, sendo por isso legítimo concluir que aquele interregno se deveu exclusivamente ao facto de ser ano de eleições.
Mas é ainda na perspectiva social que a política fiscal se assume como questão nuclear. «Porque, demonstradamente, a política social mais urgente para o País é a reforma fiscal», sustentou o presidente do Grupo Parlamentar do PCP, para quem essa reforma é essencial para que possam ser prosseguidas e melhoradas as restantes políticas sociais, da Saúde à Educação, da Habitação à Segurança Social.


Manobra de diversão

A estas evidências ripostou o Primeiro-Ministro, num tentativa de mascarar a realidade, erigindo como questão ideológica central do debate o que designou por combate ao despesismo orçamental. «Os que entendem que o Orçamento de Estado é despesista deverão querer, seguramente, fazer cortes», afirmou Guterres, depois de ter considerada injusta esta ideia lançada por políticos e analistas de direita.
Não resultou porém esta tentativa de contornar o essencial e deslocar o centro do debate. A resposta deu-a ainda Octávio Teixeira ao fazer notar que «um dos partidos que mais gritou contra o despesismo deste Orçamento» acabou por ser exactamente aquele que o viabilizou.
Neste jogo de simulações não deixa, a propósito, de ser curiosa a explicação dada por Basílo Horta no final do debate para a viabilização do Orçamento. Não escondeu, designadamente, o receio de eleições antecipadas, para as quais o centro e a direita não estariam preparados. Um «momento inoportuno», deixou escapar no seu discurso, desmentindo assim de uma penada a formulação tantas vezes repetida por outros dirigentes do seu partido de que a viabilização ao Orçamento era uma resultante da aceitação pelo Governo de propostas suas.
A afirmação do Governo de que o Orçamento desagrava os contribuintes, por outro lado, foi considerada uma «fraude política» pela bancada do PCP, que, a este respeito, assinalou haver desagravamento, e significativo, mas para os lucros.



Carlos Carvalhas:
História de uma viabilização anunciada

Explicadas pelo PCP, ainda antes do debate na generalidade, haviam sido as razões que o levam a considerar estar-se em presença de um Orçamento de direita. A sua viabilização, nesta circunstância, só poderia ser operada «por um partido de direita, qualquer que seja o pretexto», sublinhara na passada semana, em declarações ao «Avante!», Octávio Teixeira.
Dessa «história de uma viabilização anunciada» falou com detalhe no decorrer do debate o Secretário- Geral do PCP. Personagens reais de um filme onde o enredo não é pura ficção. E onde só por mera coincidência os diálogos poderiam ser outros que não aqueles que com ironia e imaginação Carlos Carvalhas construiu na sua intervenção de encerramento. Marcada ainda pela crítica a um documento atravessado pela visão de Portugal como o «paraíso lusitano», numa versão actualizada do «oásis cavaquista».
A história gira em torno das conversas entre o primeiro-ministro e o ministro do Trabalho, Ferro Rodrigues, para conseguirem viabilizar o Orçamento no Parlamento e obterem um entendimento com o CDS-PP.
«Há  uns meses o Sr. primeiro-ministro disse a Ferro Rodrigues: no aumento anual das reformas retira uma parte do previsto para os rurais para servir de troca ao voto favorável do partido que queira deixar passar o Orçamento», desvendou Carvalhas.
«Ferro Rodrigues achou a ideia brilhante», chegando mesmo a ficar convencido que seriam os comunistas a dar luz verde ao Orçamento, tanto mais que essa era uma insistente reivindicação sua. Mas Guterres depressa lhe «tirou as ilusões»: «Sabes, os comunistas, apesar de estarem de acordo com o aumento das reformas, não aceitarão que mantenhamos os privilégios à banca, que aumentemos os benefícios fiscais, que no fundamental vão para as operações financeiras e especulativas, que baixemos os impostos às grandes empresas e que os mantenhamos para os trabalhadores. Além disto, querem aumentar as outras pensões degradadas e não estão de acordo com a nossa proposta de aumentos para a função pública». E contundente, rematou: «Eles querem um orçamento de esquerda..., e nós não estamos nessa».
Ainda segundo Carvalhas, o primeiro-ministro, «em tom de reflexão», teve então esta tirada: «Este orçamento, pelo seu conteúdo, só pode ser viabilizado pelo PSD ou pelo PP».
Prosseguindo o relato das conversas entre o chefe do Governo e Ferro Rodrigues, o líder comunista revelou depois que Guterres terá chamado a atenção para o facto de o PSD, face às disputas internas, não estar em condições de viabilizar o orçamento, só podendo, por isso, contar com o PP. «Com dupla vantagem», aliás: «criamos dificuldades ao PSD pois promovemos o Portas. E o Portas e o seu populismo, com as pensões aos rurais, fará a demagogia suficiente para esconder os privilégios aos grandes senhores do dinheiro».
«E o engenheiro Guterres se bem o disse melhor o fez», salientou Carvalhas, concluindo:«Chamou o PP e com duas conversas acordou o negócio e a encenação. E desta vez, ao que se sabe, nem foi necessário ir para uma suite de hotel com a companhia do presidente da CIP. Dizem que umas férias na neve bastou», afirmou o dirigente do PCP, numa alusão ao acordo entre PS e PP no orçamento de 1996 e ao alegado encontro de Celeste Cardona com Jorge Coelho numas férias em Janeiro.
«Esta‚ a história breve de uma viabilização anunciada. Mas esta também tem uma moral: um orçamento injusto e iníquo não deixa de o ser por avançar com uma ou duas medidas justas e um orçamento de direita só poderia ser viabilizado por um partido de direita», rematou Carvalhas, afirmando que com este desfecho «o PS ganhou um orçamento mas o país que trabalha perde e não perde pouco».



«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000