25 anos depois, ainda a questão da terra

Por Lino de Carvalho



Comemoram-se este ano 25 anos do arranque do processo da Reforma Agrária, bem no calor de Abril. Foi em 9 de Fevereiro de 1975 que o PCP organizou a 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul onde a palavra de ordem "A terra a quem a trabalha" se assumiu como bandeira de um profundo rasgão na dominação latifundiária e de um marcante movimento de transformação social e política.

Como foi em 15 de Abril de 1975 que foi publicado o Decreto-lei n.º 203-C/75 seguido em 29 de Julho dos Decretos-lei 406-A/75 e 407-A/75 relativos, respectivamente, à definição de um programa de Reforma Agrária e à expropriação e nacionalização das terras do latifúndio e que deram enquadramento legal ao processo de ocupação de terras que se tinha iniciado em finais do ano anterior.
A liquidação do latifúndio e das relações sociais de produção e de poder que gerava e a consequente entrega da terra aos despossuídos dela, o proletariado agrícola, deu lugar em todo o Alentejo e no Sul do Ribatejo ao aumento da produção agrícola e início de uma alteração dos sistemas agrícolas, à criação de emprego, ao direito a um salário certo e a regalias sociais até aí desconhecidas, à dignificação e valorização social do trabalho e dos trabalhadores rurais, à evidente melhoria da sua qualidade de vida, ao desenvolvimento dos montes e das aldeias do Alentejo. Foi uma transformação radical da vida que nada nem ninguém apagará da História e da memória colectiva do povo alentejano. E de que ainda hoje, apesar de tudo, se mantêm resultados visíveis. Um exemplo, sobre uma questão tão falada nas últimas semanas: se hoje os trabalhadores rurais têm direito a pensões de reforma, infelizmente de valor muito baixo, foi porque com as cooperativas iniciaram, pela primeira vez, uma carreira contributiva para o Sistema de Segurança Social.
A Reforma Agrária foi destruída no decurso de uma contra-revolução liderada institucionalmente pelo PS, pelo PSD e pelo CDS. Mas 25 anos depois a questão da terra continua a estar – ou volta a estar – em aberto. A grande propriedade de dimensão latifundiária e os sistemas extensivos de produção voltaram ao Alentejo. Como afirmam as próprias análises oficiais "a dimensão das explorações" e a "estrutura de posse e uso da terra ...não têm contribuído para a criação de uma base económica e social, dinâmica e sustentável na região".(Programa Operacional para o Alentejo/III QCA e Estudo para a Definição de uma Base Económica para o Alentejo/CCRA). É por isso que o Alentejo mantém a mais alta taxa de desemprego do País, a migração voltou, a desertificação cresceu e tem o menor produto e rendimento per capita.
A questão da terra está, pois, de novo (se é que alguma vez deixou de estar) na ordem do dia. É por isso que comemorar os 25 anos da Reforma Agrária não é só – não pode ser só – uma viagem nostálgica a um passado que nos marca e nos emociona, mas é também reflectir sobre o presente e sobre as soluções de hoje no Portugal e, sobretudo, no Alentejo de hoje. Porque quando falamos na necessidade de uma "nova Reforma Agrária" temos de dar resposta a uma outra questão: Com quem ? Em que condições ? Com que fundamentos ? É que há 25 anos a população activa na agricultura representava 63,4% em Beja, 50,1% em Évora e 57,8% em Portalegre. E os assalariados rurais representavam, nestes três distritos, 82,2% dessa população activa. Hoje, a acreditar nos dados oficiais, a população activa agrícola representa 11,8% do total. O índice de envelhecimento da população é quase o dobro do País. E não vivemos um processo revolucionário.
Enfrentar o problema da concentração fundiária e dos sistemas agrícolas parasitários que gera com as respectivas consequências negativas em toda a estrutura e dinâmica produtiva e social da região é uma necessidade. Alqueva com a irrigação de 110.000 hectares à custa de mais de 350 milhões de contos de dinheiros públicos tem de implicar, numa sociedade democrática, que as mais valias desse vultuoso investimento revertam para a comunidade através de um processo de reestruturação fundiária que obrigue a uma alteração dos sistemas culturais permitindo, além do mais, injectar no sector novas e mais dinâmicas gerações de agricultores e trabalhadores agrícolas. O que implica definir uma dimensão-limite para as explorações com base em critérios de racionalidade e eficácia económica e justiça social. Mas para isto tudo é preciso dinamizar, com argumentos sólidos, um vasto debate no Alentejo e no País que mobilize uma nova e alargada base de apoio a esta "nova Reforma Agrária" combatendo e vencendo preconceitos e interesses instalados, designadamente no Governo.


«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000