Carlos Paredes
A homenagem que foi
a homenagem que falta



Os 75 anos de Carlos Paredes constituíram um acontecimento marcante da vida nacional, na passada semana.
Não foi ainda a homenagem que é devida ao grande criador musical de genuína inspiração popular, ao maior intérprete da guitarra portuguesa, ao cidadão exemplarmente participante, ao homem bom e generoso sempre atento aos problemas dos que sofrem.

Foi, contudo, uma muito ampla manifestação de reconhecimento do valor da obra e da invulgar estatura humana do artista da parte de vários orgãos de comunicação, em especial das rádios, da crítica da especialidade e de personalidades das mais destacadas na vida cultural e política do país.
A iniciativa «Palavras para Carlos Paredes», preparada com grande antecedência por Luísa Amaro e a «Mínima Ideia», que levou à reunião no Alcântara Café dos amigos do compositor, transmitida em directo pela TSF, salientou-se no conjunto das homenagens e deve ter ajudado a que fosse sublinhado, na agenda do dia 16 de Fevereiro, o 75º aniversário do autor de «Mudar de Vida». Mas a expressão e a latitude, um tanto inesperada, que as homenagens assumiram é prova sobretudo da audiência e do prestígio crescente que obra musical de Paredes tem conquistado, incluindo entre as gerações mais novas, apesar de imobilizado pela doença e afastado há já seis anos de qualquer intervenção pública.
Depois das palavras proferidas nestas cerimónias, entre outros, pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, e pelo ex-Presidente, General Ramalho Eanes, sobre a dívida do país a Carlos Paredes, sobre a importância cultural ímpar da sua obra de compositor, a que especialistas não regateiam os atributos da genialidade, a par do exemplo de cidadania que é toda a sua vida, há que esperar que se organize, quanto antes, por parte das instituições da República, uma verdadeira homenagem nacional ao grande músico, com os actos e as distinções que são próprias, onde o reconhecimento e agradecimento do país lhe sejam formalmente expressos com o destaque de que é merecedor.
Não tenho dúvidas de que entre as «Palavras» que Carlos Paredes mais gostou de ouvir no dia dos seus 75 anos, e que mais gosta de ouvir sempre, se contam as dos seus camaradas do PCP. Foi importante que, desta vez, ficasse bem clara a sua militância comunista, iniciada na juventude e mantida firmemente até ficar impossibilitado pela doença.
Recordo que o conheci, há quase cinquenta anos, num grupo jovens, que se propunham organizar, e organizámos, uma biblioteca colectiva clandestina de livros marxistas. No fundo, procurávamos o Partido que tinha então uma orientação muito especial para a juventude, entendendo que era no MUD Juvenil que ela se devia organizar. A biblioteca chamou, no entanto, a atenção do Partido e passado, não muito tempo, já militávamos ambos e muitos dos amigos da biblioteca nas suas fileiras.
Julgo que esta militância comunista contribuiu muito para temperar e enriquecer de conteúdo humano do seu génio de artista. É sabido que Paredes sempre quis reflectir na sua criação as dores, as angústias, as decepções, as aspirações e as esperanças, mesmo as mais ténues, do nosso tempo e do nosso povo, especialmente nos pesados anos da ditadura fascista. Acho que o conseguiu como ninguém através dos acordes, de incomparável sonoridade, da sua guitarra.
A sua própria postura de executante musical é um acto de sacrifício e de prazer, de onde se liberta um permanente movimento dialéctico em que o dramatismo mais intenso vem sempre acompanhado de alguma esperança e a subversão propositada dá lugar à redenção desejada.
Devotado aos trabalhadores e a todo o povo, sempre disponível para as causas da justiça social, adverso ao dogmatismo e desprovido de sectarismo, Carlos Paredes, a par do músico genial que está a ser reconhecido, é um inspirador exemplo de militante e intelectual comunista que importa invocar nos dias de luta que atravessamos.


«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000