Os 140 000 recursos apresentados por Marrocos paralisam processo de paz
ONU adia referendo no Sahara



Num relatório ao Conselho de Segurança, o secretário geral da ONU, Kofi Annan, afirma que os recursos apresentados por Marrocos após a publicação das listas definitivas do recenseamento inviabilizam o cumprimento do calendário previsto para a consulta.


O referendo sobre o futuro do Sahara Ocidental, agendado para meados deste ano, foi uma vez mais adiado. «O calendário já não é válido», afirma Annan no seu relatório, sublinhando que «os acontecimentos destes últimos nove anos, e em particular os registados neste último mês, constituem uma autêntica preocupação e levantaram sérias dúvidas sobre a possibilidade de levar a cabo os acordos aprovados [em 1991] por ambas as partes».
O novo impasse criado no processo de paz para o Sahara Ocidental resulta de mais uma manobra de Marrocos, que apresentou nada menos do que 140 000 recursos contra o recenseamento levado a cabo pelas Nações Unidas. O recenseamento é uma pedra basilar de todo o processo, uma vez que é a partir dele que se determina quem é a população saharaui com direito a voto, ou seja, com direito a pronunciar-se sobre o futuro do território ocupado por Marrocos.
O recenseamento final da ONU dá como reconhecidos cerca de 90 000 eleitores, um número que fica muito aquém dos 220 000 propostos por Marrocos. A lista final dos eleitores foi encerrada em Janeiro, tendo sido aceites 2130 candidatos dos mais de 50 000 apresentados por Rabat como pertencentes a três tribos marroquinas que se consideram com direito a voto no Sahara Ocidental. Estes potenciais eleitores, suficientes para inverter a tendência de voto, não são reconhecidos pela Frente Polisário, organização que luta há décadas pela independência daquele território.
Kofi Annan pediu entretanto ao Conselho de Segurança a renovação por mais três meses do mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (Minurso), esperando que neste período seja possível chegar a um acordo aceitável quer por Marrocos quer pela Frente Polisário.
Apesar do abismo que separa as forças em presença, Mohamed Abdelaziz, dirigente da Frente Polisário e presidente da autoproclamada República Árabe Saharaui Democrática (RASD), considera que «o referendo é possível», embora advogue que «se a ONU não pretende seguir em frente o melhor é que o diga, proclame o fracasso da sua missão e se retire». «O povo saharaui assumirá as suas responsabilidades», garante Abdelaziz, sublinhando que essa não é a opção preferida da Frente Polisário, mas é a única que lhe resta «perante tais atrasos e as manobras dilatórias marroquinas».
Numa tentativa de conseguir um compromisso entre as partes, Kofi Annan voltou a enviar para a região o seu representante pessoal, o ex-secretário de Estado norte-americano James Baker, que em 1997 apadrinhou os Acordos de Houston, nos EUA, que abriram caminho para as negociações de paz.


«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000