Processo de Elián de novo adiado por doença do juiz do tribunal federal de Miami
Conspiração contra Cuba



Mais de 200 000 pessoas manifestaram-se segunda-feira em Havana exigindo a libertação de Elián Gonzalez, o menino cubano sequestrado desde Novembro nos EUA, e em protesto contra as acusações de espionagem proferidas pelo governo norte-americano contra um diplomata cubano em Washington.


As manifestações a favor do regresso de Elián realizam-se quase diariamente desde há três meses, mas desta vez havia razões suplementares para o protesto cubano. Por um lado, estava agendado para terça-feira a audiência do tribunal federal de Miami que deveria determinar se o tribunal tinha ou não jurisdição para dar seguimento ao pedido de asilo político apresentado pelo tio avô da criança, Lázaro González. Por outro lado, segundo as autoridades cubanas, está em curso uma «conspiração» da «mafia de Miami com a cumplicidade de funcionários corruptos do FBI» para impedir o regresso de Elián a Cuba. A «conspiração» começou a dar os seus frutos no sábado, quando Washington declarou «persona non grata» um diplomata cubano acusado de espionagem.
As acusações ao diplomata cubano aparecem relacionadas com a detenção de um alto funcionário dos Serviços de Imigração dos EUA (INS) de origem cubana, Mariano Faget, processado por alegada espionagem em favor de Cuba. Este insólito caso de espionagem foi desencadeado apenas três dias antes da audiência sobre o caso Elián, que, curiosa coincidência, veio a ser adiada por alegada «doença» do juiz.
Segundo o responsável pela Secção de Interesses de Cuba em Washington, Fernando Remírez, «é claríssimo o propósito de influenciar com esta desesperada e espectacular manobra a decisão do juiz federal». Cuba fez saber de imediato que «não retirará nenhum funcionário» dos EUA, sublinhando que «nunca, em 22 anos, a Secção de Interesses de Cuba desenvolveu actividades de espionagem, como sabe perfeitamente o governo» norte-americano.
Sintomaticamente, a Fundação Nacional Cubano-Americana, principal organização dos exilados cubanos, pediu de imediato ao governo norte-americano que paralisasse o processo de deportação de Elián enquanto não se esclarecer o «caso» do funcionário do INS, acusado de prestar informações a pessoas não autorizadas e de prestar falsos testemunhos a agentes federais. de referir que o presidente da Fundação, Jorge Mas Santos, se tornou nos últimos tempos uma visita assídua da casa dos González.

 

A família González


Os novos desenvolvimentos do caso Elián ocorrem quando a imagem da família González radicada nos EUA começa a perder o brilho que lhe pretenderam atribuir, e os seus antecedentes suscitam sérias dúvidas quanto ao «futuro melhor» que poderiam dar à criança. A história veio à luz no The New York Times e está longe de ser edificante.
Lázaro González, o tio avô de Elián, tem cadastro por conduzir alcoolizado; em 2 de Fevereiro de 1997, apanhado pela polícia, perdeu a licença de condução durante um ano, foi condenado a realizar trabalhos comunitários, a fazer um curso de desintoxicação e multado em 884 dólares, para além das custas judiciais. Uma sentença pesada para uma família de escassos recursos (González trabalha esporadicamente como mecânico de automóveis e a mulher trabalha numa fábrica de confecções), mas justificada pelo facto de González ser reincidente: em 1991 já havia sido condenado por conduzir embriagado.
O abuso do álcool parece ser igualmente o problema de Delfín, o irmão mais velho de Lázaro, um pescador de 63 anos que conta com duas condenações no seu cadastro. Numa das vezes, a euforia etílica levou-o a circular em sentido contrário numa das principais vias de Miami. Quanto a um sobrinho, José Cid, cumpre desde há um mês uma pena de 13 anos por roubo, após cinco prisões anteriores; um irmão deste, Luis Cid, espera julgamento por roubo de um turista, e conta já com outras duas detenções.
Acresce que Lázaro, de 49 anos, vive com a mulher e a filha numa modesta casa de dois quartos e uma casa de banho, pelo que se torna impossível deixar de fazer algumas perguntas: por exemplo, como custearam as despesas nas semanas que deixaram de trabalhar para se dedicar ao processo de Elián? Como é que desde 14 de Fevereiro Lázaro aparece com um trabalho fixo? Quem paga as despesas dos seis advogados que tomaram conta do caso do menino náufrago? Como podem ter como porta-voz um dos mais conhecidos consultores políticos de Miami?
Pelas bandas de Miami ninguém responde a estas questões. Os jornalistas deixaram de ser bem-vindos junto da família González.


«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000