Pensamentos...



«O Independente» dedicou algumas linhas à última reunião do CC do PCP e à preparação do Congresso apondo-lhe um título verdadeiramente sugestivo: «Livres de pensar».

A razão de ser (se tanto se pode chamar-lhe...) de tal frase reside na divulgação naquela reunião do documento com o singelo título de «Nota de Trabalho» e que, no entender dos analistas daquele semanário, dá aos militantes do PCP inteira liberdade para discutirem o que entenderem na preparação do Congresso em moldes diversos do que sucederia anteriormente com a existência das Teses.
O conjunto da notícia e respectivo título releva de dois aspectos igualmente desagradáveis: ignorância e preconceito.
Em primeiro lugar, em todos os congressos legais do PCP a elaboração de Teses foi precedida de amplos debates que prosseguiram após a sua sistematização naqueles documentos. De resto, ninguém ignora que nem o PCP fecha para Congresso, nem os seus militantes limitam o debate e a vida partidária aos períodos de Congresso.
Segundo, já no anterior Congresso as Teses foram precedidas por uma nota de trabalho com propostas para organização dos debates e suas conclusões.
Terceiro, é desde sempre uma constante da elaboração dos documentos dos Congressos do PCP o muito elevado número de propostas de modificações apresentados por militantes e organismos, dos quais aliás há o cuidado de der meticulosa conta, numa manifestação de democraticidade que não tem grandes paralelos no panorama partidário português. No XII Congresso foram registadas 1 700 propostas de emenda, no XIII 1814 e no XIV só o Projecto de Alteração do Programa recebeu 700 sugestões.
Mas o mais significativo do título em epígrafe é a exploração preconceituosa e obtusa da velha insinuação sobre o imobilismo teórico e ideológico dos comunistas ou do imposto monolitismo orgânico. «O Independente» não se limita a achar que até agora os comunistas não discutiam as Teses ou outros documentos partidários; vai mais longe, até agora os comunistas não... pensavam!
A dimensão do preconceito espanta, até pelo absurdo. Na verdade, pode admitir-se que se impeça alguém de deslocar-se, de escrever, de se manifestar, de publicar ou mesmo de falar. Durante quase meio século o salazarismo montou mesmo diversas organizações com a finalidade de impedir os portugueses em geral e até em especial os comunistas de fazerem livremente muitas daquelas coisas, mas o que jamais conseguiu foi, já se vê, impedi-los de... pensar!

... e debates



Vasco Graça Moura assumiu por diversas vezes que conseguia a peculiar postura de ser mais cavaquista que o próprio Cavaco Silva... Retirado o ex-primeiro ministro para a sua actual e ambígua postura, Graça Moura colocou a sua pena ao serviço da defesa de Durão Barroso, na realidade deveras necessitado dessas e de quaisquer outras ajudas. Mas há qualquer coisa de patético no que hoje escreve. A situação que o PSD atravessa em vésperas de mais um congresso é lamentável para aquele partido, mas revela talvez mais do que uma situação de crise interna.
Ao longo da sua existência, os sociais-democratas revelaram uma peculiar capacidade de mutação nas suas lideranças. É possível afirmar que, em muitos aspectos, o PSD é a formação partidária portuguesa que mais corresponde aos padrões eleitoralistas das democracias tradicionais: correspondendo socialmente a um leque bastante vasto, apresenta-se como a mais desideologizada, oscilando entre posições abertamente de direita até ao centro escorregadio, constituindo essencialmente um instrumento de acesso ao poder para camadas sociais e interesses que nele se agrupam.
As qualidades requeridas à liderança do PSD não são assim aferidas a partir de minudências programáticas ou ideológicas, mas sobretudo através da eficácia que apresente para conduzir o partido à ocupação do poder. Se tal eficácia se não verificar ou deixar de verificar, com todo o desembaraço se procede a substituições em maior ou menor extensão, sujeitas desde logo ao teste eleitoral seguinte.
Os dez anos de cavaquismo introduziram porém modificações que perturbaram este processo. O primeiro factor é o de terem, de forma aparentemente contraditória, empobrecido o partido em termos de quadros de primeira linha. A realidade é que, após uma década, os dirigentes PSD que ocuparam cargos ministeriais e que, pela ordem natural, constituiriam a reserva para renovação do topo partidário, acabaram não apenas a fazer uma carreira essencialmente governativa e não no aparelho do partido, mas essencialmente por, após a derrota do cavaquismo em 95, se terem instalado profissional e economicamente afastando-se da política mais activa.
Após o episódio de Fernando Nogueira, o PSD foi forçado a recorrer a «reservas» desde sempre polémicas – Marcelo Rebelo de Sousa – ou a figuras objecto entretanto de desgastes vários, como Durão Barroso, derrotado em congresso anterior e com uma trajectória susceptível de motivar reservas (afastamento para os Estados Unidos). Neste quadro, a resposta típica aos desaires eleitorais enfrentou e enfrenta dificuldades acrescidas e a conflitualidade interna que dinamizara os processos de substituição em momentos anteriores revela-se agora incomparavelmente mais desgastante e inconclusiva.
Todavia, se os factores internos do próprio PSD pesam na crise atravessada, um outro exterior contribui largamente para o panorama apresentado: a verdade é que os social-democratas têm manifesta dificuldade em se demarcarem de um governo do PS que, no essencial, segue uma política idêntica à sua e acaba a servir social e economicamente as mesmas áreas de interesses.
Sem um programa ou uma estrutura ideológica própria, identificável, substancialmente diversa, o PSD acaba assim a ter como quase único factor de vivência política a disputa da liderança sobre um abalado aparelho partidário e uma ainda mais perturbada implantação eleitoral e orgânica. A sua crise é assim uma crise interna, mas reflecte igualmente um problema bem mais grave e profundo: o facto de a derrota eleitoral da política de direita do cavaquismo ter dado lugar à instalação no poder dos governos PS com uma política no essencial idêntica ao anterior. Enquanto o cavaquismo protagonizou um «bloco central» fazendo o PS atravessar uma crise interna que durou dez anos, o guterrismo protagoniza idêntico «bloco central» conduzindo os sociais-democratas a uma turbulência semelhante que, a avaliar pelo que se vê, poderá perfeitamente ter idêntica duração...
E a verdade é que nem Vasco Graça Moura consegue, além de elogios a Barroso e protestos contra Guterres, dar algum cimento ideológico à dilaceração social-democrata.



Foi como se até ao fim o criador se tivesse confundido com a sua obra...

Charles Schulz desapareceu pouco tempo decorrido depois de ter anunciado que deixaria de desenhar a talvez mais famosa banda de comics do mundo: os Peanuts, Charlie Brown, o seu cão Snoopy, os seus companheiros. Iniciada em 1950, a série dos Peanuts constituiu uma verdadeira revolução no mundo das tiras caricaturais da imprensa pelo seu traço de enorme simplicidade e pelo humor inteiramente original do seu autor. Para além disso, os traços de carácter de que Schulz dotou as suas personagens largamente ultrapassaram o estilo da banda desenhada infantil ou caricatural para adultos, introduzindo-lhe uma subtileza que levou a que fosse baptizada como a primeira BD «intelectual», não se limitando a narração de histórias mais ou menos longas, mas a uma caracterização se situações e personagens onde não está longe uma certa amargura e uma crítica aos padrões e valores das sociedades contemporâneas e particularmente da norte-americana. Em 1987, enquanto Asterix vendera 180 milhões de exemplares em todo o mundo, os Peanuts atingiam a fabulosa divulgação de 300 milhões. O poético mundo dos Peanuts, a ambição de Lucy, as angústias de Charlie Brown e Linus, os sonhos de Snoopy continuarão como um dos mais brilhantes retratos da nossa contemporaneidade. — Ruben de Carvalho


«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000