Pai tirano



Em vésperas do congresso do PSD Durão Barroso passou à clandestinidade, diz-se, para encontrar a paz de espírito que lhe há-de guiar a pena nas teses demolidoras a apresentar ao conclave. Marques Mendes arrumou os holofotes que lhe têm servido para ganhar estatura de homem de Estado e desapareceu igualmente de cena, presume-se que atrás da resma de papel onde vai verter as momentosas propostas a apresentar ao partido e ao país. Santana Lopes, esse, discreto como sempre, subiu o som dos microfones e, como bom homem do espectáculo, levantou a ponta do véu para aguçar apetites anunciando que em Viseu vai pôr a boca no trombone e dizer tudo, mas tudo o que deve ser dito.
Tanto quanto me foi possível apurar deste turbilhão informativo que rodeia a reunião magna dos social-democratas, seja lá o que isso significa aplicado ao PSD português, parece que na origem deste cabo das tormentas anunciado para Viseu está um buraco de ozono que afecta de forma irremediável o planeta laranja. Que toda a gente vê o buraco e ninguém faz nada, acusa Lopes, dedo demolidor em punho e sobrolho franzido. Facto tanto mais incompreensível quando ele próprio já encontrou a solução, não uma mezinha qualquer, não uma peneira a tapar o sol, não uma laranjada de pacote, mas o remédio eficaz que salvará o doente, a saber, directas já! E directas para quê?, perguntará o leitor distraído destas questões político-ambientais, sem perceber a gravidade de um buraco de ozono num planeta laranja, imaginando por ventura que o que se pede às bases laranja é que avancem em massa para cerzir o desastre. Impaciente, Lopes explica o óbvio, que isto de esclarecer as bases também cansa: as directas de que fala são assim como uma espécie choque de vitamina C para o líder salvador, uma dose de cavalo para dar força anímica ao redentor, um voto em massa no chefe, no pai, que ele sim há-de ser o super-homem capaz de tapar o buraco e dar lustro à laranja para a apresentar recauchutada, como nova, na hora exacta do assalto ao poder.
Não é evidentemente qualquer um a reunir condições para tão gigantesca tarefa. Uma consulta aos astros já mostrou a Lopes que as conjugações exactas só ocorrem de tantos em tantos anos, que a um líder forte sucede um ciclo de franganotes sem brilho nem alma, e que é agora, justamente agora, que estão reunidas as condições para que um novo e intrépido patriarca assuma as rédeas do laranjal, premiando os bons e sendo implacável com os maus, na mais pura defesa da moral e bons costumes. E ele, Lopes, que viu o buraco e encontrou o remédio, que fez contas à história e descobriu ter chegado a sua hora, é o homem providencial, o sebastião, o desejado - mesmo que muitos ainda o ignorem - capaz de virar a mesa e pôr de novo a laranja no lugar que lhe pertence.
Se não for um flop, Viseu promete. E se Lopes for enfim reconhecido, como é de justiça, em Março haverá mais. Um novo congresso no dia pai, que os pais tiranos querem-se consagrados.
Ditosa pátria a nossa, que tais políticos tem! — Anabela Fino


«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000