O coelho e as lebres


Parece ter chegado ao fim, pelo menos em tempos mais próximos, aquela fita que o PS ciclicamente decide levar à cena sempre que as autárquicas se perfilam no horizonte. Com os produtores do costume, o mesmo e estafado argumento e pequenos arranjos no elenco.
A história é conhecida e o objectivo invariável. Aquele aceno de longe a novos e hipotéticos acordos com o PCP para as eleições autárquicas sempre na esperança de que alguém menos avisado ou mais crente, deslumbrado perante tanta generosidade, se perca na ilusão e se deixe enredar naquele atentismo que a manobra tem em vista gerar.
Assim foi mais uma vez. Com uns quantos , no papel de lebres lançadas para o efeito, multiplicando-se em declarações de aparente, mas bem pouco inocente, namoro aos comunistas até que alguém desse por concluído o que á partida uns e outros sabiam ser o desfecho. Durante meses Assis, Alegres e outros foram discorrendo, esclarecedoramente verdade se diga, sobre o que entendiam quanto à matéria até que, posteriormente, Coelho viesse dar por encerrada a cena.

E para que se eliminem dúvidas quanto às razões que inspiraram estes súbitos assomos de convergencia democrática por que alguns dirigentes do PS pareceram ter sido tomados, aqui se deixam três comentários que mais esclarecedoramente revelam, lendo o que cada um disse ou escreveu, o que sob tanto enlevo se escondia. A saber:
Uma indisfarçavel visão instrumentalizadora ao sabor de tácticas e conveniências partidárias com o único objectivo de garantir mais facilmente situações de poder absoluto de que é exemplo a confessada intenção de por este modo o PS poder alcançar a hegemonia numa ou noutra região do País;
Uma intolerável sobranceria manifestada nos repetidos e cínicos conselhos ao PCP quanto à sua conduta e rumo político apresentados como condições para um outro relacionamento futuro;
Uma deplorável arrogância traduzida naquele poder de atestagem de bom comportamento político, de que o PS divinamente se considera investido, alegadamente necessários à viabilização de uns acordos que, é bom que se diga, ninguém outros que não o PS sugeriu ou propôs.

Agora que a poeira assentou e para que não haja injustiças no juízo final sobre esta história, a verdade manda que se diga que entre o veneno e as intenções dos que faziam o papel dos bons e os que em sentença final assumiram o papel de maus venha o diabo e escolha. E que se registe, como que a atestar o que agora se disse, que esta fábula de umas lebres simpáticas e do Coelho mau tenha chegado ao fim sem grandes alaridos e sem que se conheçam entre os protagonistas desentendimentos de monta. — Jorge Cordeiro


«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000