O alerta austríaco



Muita da nossa atenção tem convergido nestes dias para a Áustria. A participação do partido de Haider no governo suscita legítima indignação, soa como campaínha de alarme em relação ao perigoso avanço na Europa da extrema-direita populista, racista e fascizante. O povo e as forças democráticas e antifascistas da Áustria convocam a nossa solidariedade; a sua poderosa manifestação de 19 de Fevereiro em Viena constituiu uma magnífica contribuição para barrar o caminho ao avanço da extrema-direita na Europa e no mundo.

Mas é necessário que nos entendamos. O nacionalismo reaccionário, o racismo e a xenofobia, o populismo fascizante não se combatem com posições inspiradas por pretensões de índole supranacional de tutela de decisões soberanas de cada povo ou país. Bem pelo contrário. Há muito que o PCP vem alertando para os perigos de uma «construção europeia» que atente sobre as soberanias dos Estados e ofenda as dignidades nacionais. É por isso inquietante que o caso de Áustria esteja a ser invocado para reforçar o carácter federalista supranacional da U.E., no momento em que se inicia uma nova Conferência Inter Governamental para a revisão dos Tratados. E tanto mais inquietante quanto a participação dos «neo-fascistas» da «Aliança Nacional» no governo de Itália, em 1994, não tinha suscitado qualquer reacção dos círculos governamentais e precisamente quando a U.E. acaba de passar um atestado de credibilidade ao governo turco, onde participa gente ligada ao bando militarizado fascista «Lobos Cinzentos», prossegue a guerra contra o povo curdo e mantem nas cadeias mais de 10.000 presos políticos.

O combate ao avanço da extrema-direita nas suas diferentes variantes nacionais passa necessariamente pelo combate às políticas que a alimentam, de desmantelamento de conquistas democráticas e sociais dos trabalhadores, de concentração de capital e de riqueza, de aprofundamento das injustiças e desigualdades sociais, de imposições supranacionais. E passa também pela frontal responsabilização da generalidade dos partidos socialistas e sociais democratas que, rendidos à ideologia e às opções do liberalismo, têm fornecido ao grande capital a base de apoio indispensável para manter (e mesmo acelerar) o nefasto rumo da sua política. Na Áustria, aliados durante décadas, socialistas e conservadores estiveram juntos para forçar a entrada na U.E., impôr os critérios de convergência para a moeda única, desmantelar importantes conquistas do «estado social», golpear o estatuto de neutralidade austríaco e envolver cada vez mais o país nas teias da militarização e da expansão imperialista para o Leste da Europa. Soçobrando nas dificuldades e contradições inerentes a um tal processo, a coligação liderada pelos sociais democratas acabou por abrir caminho a uma coligação de direita sem disfarces.

O populismo de extrema-direita não pode combater-se iludindo as causas socio-económicas, as políticas de classe e as alianças espúrias que facilitaram o seu avanço. Lição que obviamente é também válida para Portugal. Quando o engº António Guterres, ao mesmo tempo que se indigna com a entrada da extrema-direita no governo da Áustria, não desdenha vergonhosas combinatas com o partido de extrema-direita do espectro partidário português está a prestar um inestimável serviço ao patronato mas um péssimo serviço à democracia. — Albano Nunes


«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000