Pela regularização dos imigrantes


O Projecto de Lei que o PCP acaba de apresentar com vista ao enquadramento legal da regularização de imigrantes indocumentados assume uma enorme importância política. Pela dimensão e gravidade do problema que se propõe resolver, mas também por contrariar com frontalidade e firmeza sinais de xenofobia que campeiam pela Europa.

Os processos extraordinários de regularização de imigrantes abertos em Portugal em 1992 e em 1996 foram dois relativos fracassos. Assim, à entrada do ano 2000, muitos milhares de cidadãos imigrantes permanecem na ilegalidade, a trabalhar em condições de extrema precariedade. O excelente trabalho publicado no último número de Avante sobre a situação de autêntica escravatura a que são sujeitos os trabalhadores ilegais por parte dos empreiteiros e a corajosa luta que o movimento sindical tem vindo a travar contra essa situação inqualificável, dispensam mais palavras para justificar a justeza da aprovação de legislação que, sem cometer os erros dos processos de regularização anteriores, permita legalizar a situação destes trabalhadores.
Seria errado pensar que a presença entre nós de muitos trabalhadores ilegais se resume a uma herança do passado. Há de facto essa herança. Mas continuam a existir razões objectivas para o aumento incessante do número de ilegais, que vão para além do discurso governamental sobre as redes de imigração clandestina. É óbvio que tais redes existem e devem ser combatidas. Só que o problema da imigração ilegal está muito longe de se resumir a isso. A realidade é que existe uma necessidade objectiva de mão de obra de imigrantes em determinados sectores e existe uma lei de estrangeiros, aprovada já pelo governo PS, que restringe de uma forma tão drástica o acesso de imigrantes ao nosso país que se torna objectivamente um factor de crescimento da imigração ilegal. Por isso mesmo, o PCP lutou contra a actual lei de estrangeiros e assumiu no seu Programa Eleitoral o compromisso de tomar a iniciativa no plano legislativo com vista à sua revisão global. No entanto, por entender que a situação dos imigrantes ilegais não se compadece com a espera por um processo de revisão da lei de estrangeiros, decidiu avançar desde já com um projecto de lei para resolver o problema dos cidadãos indocumentados.
A opção não passa por um novo processo extraordinário de regularização, findo o qual o que não ficasse resolvido ficaria indefinidamente por resolver. E não passa, como a experiência já demonstrou, pelo recurso a providências de carácter excepcional. A norma de regularização excepcional que existe na lei portuguesa (um célebre artigo 88º) tem mais de 15 mil requerimentos apresentados ao seu abrigo que não obtém qualquer resposta das autoridades.
A solução passa por encontrar um quadro legal que, de forma permanente, estabeleça os critérios de regularização dos cidadãos indocumentados, extensivos às suas famílias. Concretamente, é preciso distinguir de entre todos os que entraram ilegalmente em Portugal, aqueles que cá se encontram a trabalhar ou que cá residem há tempo suficiente para que tenha plena justificação a sua regularização. Por isso o PCP propõe que possam regularizar a sua situação os cidadãos que tendo entrado em Portugal até ao final de 1999, demonstrem dispor de condições económicas mínimas para assegurar a sua subsistência, designadamente através do exercício de uma actividade profissional remunerada por conta própria ou de outrém; e que, para além disso, possam ainda requerer a regularização os cidadãos que, à data da apresentação do requerimento, demonstrem residir permanentemente em Portugal há mais de dois anos. Ao contrário do que aconteceu em processos anteriores, estas normas não se destinam a vigorar transitoriamente, durante um período de escassos meses, mas antes, a regular de forma permanente os critérios de regularização que o Estado Português deve adoptar em relação aos cidadãos estrangeiros que residam e trabalhem no nosso país.
A solução proposta pelo PCP é justa, equilibrada, e digna para um país como Portugal, que, tendo tantos dos seus nacionais a viver além fronteiras, tem a estrita obrigação de tratar os cidadãos estrangeiros com a dignidade com que quer ver os portugueses serem tratados nos países onde residem. E é, finalmente, uma resposta firme e coerente aos ventos de xenofobia que sopram em alguns países europeus. Ao racismo, não se responde com cedências. Responde-se com acções concretas que garantam a todos os cidadãos, independentemente da sua origem nacional ou étnica, o respeito pela sua dignidade e pelos seus direitos fundamentais. — António Filipe


«Avante!» Nº 1370 - 2.Março.2000