Tempo de tabus



O Governo inscreveu no Orçamento de Estado deste ano a receita de 500 milhões de contos, provenientes de novas privatizações.
Mas o Ministro das Finanças não esclareceu o País onde irá buscar tão avultada verba. "Lá para Abril se vai saber", terá prometido.

Assim nasceu o tabu – feia criatura -, que marcará este ano 2000, nascido de núpcias entre o PS governante e o grande capital financeiro com auspiciosa benção do partido de Paulo Portas.
O tabu vai ficar por aí, a espreitar em discursos de ocasião, a insinuar-se nas entrelinhas, a assomar, distraído, em artigos cinzentos que, de vez em quando, os ministros e secretários de Estado mandam escrever e publicar, com a sua assinatura, em jornais de grande tiragem. Em inocentes sondagens de opinião, em estudos isentíssimos, em títulos de caixa alta colocados, como por acaso, naquele dia e naquele lugar.
Olhando para o património público privatizável, debilitado por vendas em cadeia que ajudaram as contas do Euro, encheram os bolsos de alguns e semearam ilusões em muitos, pergunta-se: de onde virão os 500 milhões de contos?
Será da TAP? Mas os suíços... Será da Petrogal? Mas os italianos... Será da EDP? Mas há tantos investidores decepcionados...
Será do grupo Caixa Geral de Depósitos, a "jóia da Coroa", agora ainda mais valiosa? Mas ainda há pouco, há poucochinho, declarava o Governo que está fora de causa passar a Caixa para a iniciativa privada. "Por enquanto", acrescentava-se sibilinamente. E aqui o tabu parece piscar o olho...
Será da nova "holding" estatal, em que o Governo juntou a RTP, a RDP e a Agência Lusa? Mas o Primeiro-ministro terá declarado que, "para já", a RTP não vai ser privatizada, embora o ministro da tutela tenha, segundo os jornais, defendido que "a lógica de mercado é a única saída para a RTP", o que abre, indubitavelmente, uma perspectiva a prazo.
Deixemos o tabu seguir o curso que os seus autores ditaram, quando já perderam a vergonha e decidem assim esconder a mão na venda do património que ao País pertence, em matéria onde deviam agir com a clareza e a limpidez que o interesse público exige.

O processo de criação do novo grupo estatal é em tudo nebuloso, a começar pela persistente campanha que animou a imprensa nos últimos meses, contra o serviço público de televisão.
As fontes do Governo falam de "novas vias de negócio", avançam com a ideia de parcerias com grupos privados, referem consultas com grandes empresas do sector, mas, entretanto, as Administrações não informam previamente, como a lei obriga, as organizações representativas dos trabalhadores.
Falam de sinergias que se ganham, de economias de escala que se obtêm, e vão anunciando o despedimento a prazo de algumas centenas de funcionários.
Decidem juntar empresas para mais tarde criar outras empresas menores, e pelo caminho despedir trabalhadores, gerar empregos precários e mal remunerados, alimentar clientelas, satisfazer lobbies e pagar chorudos ordenados a gestores que por acaso são membros ou amigos, venerandos e obrigados, do partido do Governo.
O que se está a passar num sector tão sensível como o da comunicação social não pode ficar no circuito fechado do Governo, do partido que o apoia e dos milionários da informação.
É uma questão que diz respeito a todos os cidadãos.
Para a liberdade de informação não é indiferente o processo de concentração em curso, em que três ou quatro grupos empresariais ficarão detentores da quase totalidade da imprensa escrita e audiovisual.
Assim como não pode ser indiferente que passem a existir apenas três ou quatro grupos empresariais a gerir o mercado de emprego, três ou quatro portas por onde possam entrar e sair os trabalhadores.
Estas são questões que não podem ficar no segredo dos gabinetes, nas meias palavras, geradoras de mal estar, medo, passividade.
"É preciso avisar toda a gente", era um poema que se dizia e cantava ainda Abril vinha longe. Como volta a ser actual...

Neste tempo de tabus , temos o PS a governar na plenitude do seu estilo: palavras mansas, discurso optimista, proclamando a bondade e unicidade das soluções, sugerindo que não há outras alternativas, ocultando os efeitos negativos, tudo embrulhado em juras de diálogo e solidariedade.
Privatizações, fusões, concentrações, enriquecimento de uns tantos, desregulação do trabalho, incerteza, angústia para muitos mais.
Assim é este PS "europeu, moderno", que dizia há anos – lembram-se? – "as pessoas estão primeiro", mas patrocina uma política em que as pessoas estão afinal, em último lugar. — Jorge Sarabando


«Avante!» Nº 1370 - 2.Março.2000