Abu
Jamal
e os outros presos
No plano mundial os EUA são hoje a potência
dominante e a sua política externa funda-se numa ideologia
imperial. Eles querem ser (e afirmam-no) os líderes do mundo e
serem os seus donos.
Os EUA são talvez o país mais rico do mundo mas, nem por isso,
livres de uma pobreza que toca os cinquenta milhões de
norte-americanos. Clinton, o tal da «terceira via» de Blair,
Schroder e Guterres, deu golpes profundos na assistência social,
em nome do ataque às despesas sociais e ao déficit público.
Aumentou o número de pobres que ficaram mais pobres e os ricos
muito mais ricos. A Bolsa, como sempre reagiu bem a essas
medidas. O ataque às redes de segurança social fez os
especuladores financeiros saltarem de contentamento e deixaram as
dezenas de milhões de necessitados e pobres ainda mais
vulneráveis.
O ataque aos mecanismos de protecção social é hoje chique. Ser
pobre é ser mau. Ser rico é ser maravilhoso. O «capitalismo
triunfante» da época clintoniana pode orgulhar-se entre outras
coisas do seguinte: dois milhões de presos, dos quais três mil
e setecentos condenados à morte. Os dois milhões de presos são
na esmagadora maioria negros, hispanos e brancos de origem social
humilde.
O Estado imperial, uma espécie de Roma moderna, é
implacável para com os «inimigos» externos que não se adaptam
à sua ordem e para os que internamente não aceitam as suas
leis. Os EUA bateram o recorde de execuções em 1999 e rivalizam
com países como o Iraque, a Arábia Saudita, o Irão, o
Afeganistão e a China no número de execuções. É, aliás,
curioso que muitos dirigentes norte-americanos continuem a pugnar
contra o aborto e simultaneamente defendam a condenação à
morte.
O Estado norte-americano tornou-se tão zeloso na liquidação
física dos seus cidadãos que, há tempos, pôs em funcionamento
numa prisão um plano de emergência para ir a um hospital sacar
um preso condenado à morte que se tinha tentado suicidar, e
estava no hospital para receber tratamento para evitar essa
morte, e poder em nome da justiça, aplicar-lhe a morte estatal.
A justiça dos EUA, como as diversas justiças, está ao serviço
do poder dominante. Só que nos EUA se torna mais brutal e os
números são arrasadores quanto ao número de presos e aos
condenados à morte .
A JCP lançou uma campanha contra a pena de morte
cuja validade e mérito são indiscutíveis. Vale a pena
insistir. Ela poderá ser uma das muitas pontes entre as várias
«juventudes» e uma aproximação da juventude a um conjunto de
sérios problemas sociais e políticos que a pena de morte
suscita.
É, pois, impossível não falar neste contexto de Mumia
Abu-Jamal , negro norte-americano, condenando à morte em 3 de
Julho de 1982, pelo juiz da «forca» Albert Salvo. Aguarda no
corredor da morte a sua hora. O seu processo é exemplar do que
acabamos de afirmar quanto à natureza política do sistema penal
dos EUA. Sem dinheiro para contratar um advogado a sério, o
Estado nomeou-lhe um defensor que Abu-Jamal não quis, pois
pretendia ser ele o seu próprio defensor, o que lhe foi
recusado. O advogado inexperiente considerou-se ineficaz e sem
meios para atacar a acusação. Abu- Jamal tornou-se um símbolo
porque é um homem de uma têmpera rija: foi Pantera Negra nos
anos 60, líder negro, revolucionário, jornalista e dedicado à
luta dos direitos da comunidade negra. É esse o seu crime. O seu
livro, escrito na cadeia e inicialmente proibido nos EUA «A
morte em flor» de leitura obrigatória , mostra-nos como um
homem honrado, mesmo enterrado nos corredores da morte, pode
continuar a luta contra a pena de morte, contra o sistema, pela
Vida e contra o Império. Domingos Lopes