JUVENTUDE
Mulheres
continuam a ser discriminadas pela sociedade
A
mulher do século XXI
Que significado tem o Dia da Mulher para as jovens de hoje? Falámos com Cláudia Antunes e Liliana Sousa, activistas do MDM, sobre o movimento feminino, direitos e mentalidades.
Cláudia Antunes, de 25 anos, e Liliana Sousa, de 19 anos, são
activistas do Movimento Democrático de Mulheres (MDM). Para elas
faz todo o sentido continuar a comemorar o Dia Internacional da
Mulher, que ontem se assinalou.
«Por um lado, o 8 de Março tem um simbolismo histórico por ser
resultado das lutas das mulheres e das conquistas que foram
conseguidas. Por outro, há a análise do presente. Há muita
coisa que ainda está mal», diz Liliana.
«Muitos direitos estão por conquistar, outros estão por
reconquistar. Não sei se a grande generalidade das jovens vêm o
8 de Março como nós», afirma Cláudia.
Hoje em dia, o quotidiano das raparigas é diferente da vida que
as suas mães e avós levavam, mas nem tudo se alterou. «É
apenas uma mudança aparente, porque os pilares fundamentais que
determinam o rumo da vida das mulheres não estão assim tão
mudados», considera Liliana.
«De facto, uma rapariga hoje não está na vida como há anos
atrás. Andamos à vontade, podemos vestir o que quisermos, usar
o cabelo como queremos. Mas em relação aos direitos básicos e
fundamentais - em casa, no trabalho, na escola -, quando
procuramos ver a fundo a igualdade, não a encontramos»,
sublinha Cláudia.
Casa e trabalho
Vejamos a diferença
de tratamento dado pela família a rapazes e raparigas. «Se a
mãe precisar de ajuda na cozinha, chama a filha enquanto o filho
continua a ver televisão. Mas se questionarmos aquela mãe sobre
a igualdade, ela teoricamente estará de acordo», conta
Cláudia.
Essa distinção é feita também na liberdade, nos horários e
nas companhias. As saídas à noite das raparigas são, em regra,
mais controladas. «Muitas vezes a justificação por que a irmã
não pode sair à noite é que tem de ajudar em casa», afirma
Liliana. E, como lembra Cláudia, «se o filho engravidar a
namorada, o problema é dela. Se for a filha, a situação já é
diferente».
Há ainda a relação dos jovens casais, onde se nota uma grande
diferença em relação a gerações anteriores. As tarefas são
divididas, embora, como repara Cláudia, «as coisas ainda não
funcionem como seria desejável».
Outro local de discriminação por excelência é o trabalho. «A
maior parte das grandes empresas faz um questionário em que
pergunta se as raparigas estão a pensar casar e ter filhos. Se
estiverem, é logo um motivo para passar à frente outra pessoa
que não tenha esses planos», conta Cláudia.
«O mercado de trabalho actual permite este tipo de veleidades
por parte das entidades patronais. Dão-se ao luxo de fazer
escolhas segundo critérios que não têm a ver com as reais
capacidades das pessoas e que acabam por prejudicar as
empresas», afirma Liliana.
Aborto
Para Cláudia e
Liliana, há uma longa distância entre a lei e a realidade. «A
legislação anda mais depressa do que as mentalidades e Portugal
é um dos países com leis mais avançadas. O facto de assim ser
demonstra que os comportamentos não são adequados à
legislação», salienta Liliana.
A lei sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)
continua a constituir um vazio. Liliana fala da necessidade de
proporcionar às mulheres condições dignas de IVG e da
«demagogia e o populismo das pessoas que argumentam contra a
legalização, procurando criar sentimentos de culpa».
«Na campanha pela legalização da IVG, quem não esteve de
acordo teve uma atitude perversa em relação às mulheres»,
considera Cláudia, que aposta na possibilidade da lei passar em
breve.
Violência doméstica A maior parte das mulheres que
recorreram à linha telefónica do Serviço de
Informação às Mulheres Vítimas de Violência tem
entre 25 e 44 anos e na sua maioria são domésticas,
trabalhadoras não qualificadas, operárias e artífices.
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Fixação
pela beleza e «bocas» masculinas
Quando começa a discriminação? «Em última análise, a discriminação da mulher insere-se na sociedade patriarcal. Neste contexto, todas as dinâmicas de relações sociais prejudicam a mulher», explica Liliana Sousa.
Os media também são responsáveis, porque procuram a todo o custo formas de vender. «Não há nada como uma mulher para vender. Vende aos homens, porque babam. Vende às mulheres, porque querem ser assim.» E é desta forma que nasce a fixação pela beleza e as suas consequências desastrosas, como a anorexia.
Talvez a melhor maneira de entender como a mulher é encarada pela sociedade é olhar para os comportamentos de rua. E, aí, não há dúvida que é muito mal tratada. Toda a mulher é obrigada a ouvir diariamente «bocas» menos próprias dos homens que por ela passam, ao ponto de muitas vezes se ver obrigada a mudar de passeio para fugir a prováveis ofensas. O mais grave é que, na opinião de muitos desses homens, trata-se de elogios e não de insultos.
«Tem a ver com a forma como o papel da mulher foi encarado até à pouco tempo», diz Liliana. «Havia a esposa pura, alva e fada do lar e a "mulher-diabo", aquela que se encontrava na rua e a quem os homens expressavam os desejos mais obscenos.»
«São práticas que vão sendo transmitidas, especialmente no contexto da construção civil onde os mais novos aprendem esses comportamentos com os mais velhos. Não acredito que um homem de meia idade que mande uma "boca" dessas imagine a filha ou a mulher a receber uma "boca" desse género por parte de outra pessoa.»