Os vinte e cinco anos da Reforma Agrária (I)
Por
Edgar Correia
Membro da Comissão Política
Num país em que o hábito de assinalar efemérides
constitui uma das mais arreigadas tradições nacionais constitui
sem dúvida uma reveladora excepção o silêncio quase completo
que tem sido feito à passagem de um quarto de século sobre o
início da Reforma Agrária nos campos do Alentejo e do Ribatejo
.
Evocar a mais avançada transformação económica e social da
Revolução de Abril comporta assim um primeiro propósito, o de
afrontar um silêncio construído sobre os ódios de quem viu os
seus privilégios de classe seriamente ameaçados e continua a
ser responsável, ainda hoje, pela manutenção de uma situação
social profundamente injusta em toda essa zona.
Permite também contribuir para o conhecimento das causas deste
processo agudo de luta social e política, devolver o rosto aos
verdadeiros protagonistas de um acontecimento maior da história
portuguesa e chamar a atenção para o papel desempenhado pelo
PCP.
E cria igualmente a possibilidade, no quadro das profundíssimas
alterações na situação internacional e nacional no último
quarto de século e da necessidade de aprender com acontecimentos
dolorosos vividos pelo movimento operário e dos trabalhadores,
de avaliar a riquíssima experiência da Reforma Agrária nos
campos do sul empreendida pelos trabalhadores agrícolas e
acompanhada por muitos pequenos agricultores .
Toma-se como referência comemorativa deste breve escrito a
grande manifestação que se realizou na cidade de Évora logo a
seguir à derrota do golpe reaccionário de 11 de Março de 1975,
junto ao edifício onde então se situava o Quartel General da
Região Militar do Sul, em que muitos milhares de trabalhadores
agrícolas vindos de vários concelhos e muitos outros populares
escutaram as intervenções do Comandante Militar e do
responsável distrital do PCP, festejaram a vitória sobre as
forças reaccionárias e reclamaram o que seria decidido
pelo Conselho da Revolução o rápido avanço de uma
reforma agrária que expropriasse os latifúndios e as grandes
explorações capitalistas e que assegurasse a transferência da
posse útil da terra e dos meios de produção directamente
utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalhavam .
As consignas apresentavam-se já com inaudita determinação:
Queremos trabalho!
Abaixo os latifundiários! Viva a Reforma Agrária! A terra a
quem a trabalha!
Meses vertiginosos
Pouco mais de dez
meses tinham decorrido desde o 25 de Abril!
Dez meses vertiginosos em que a energia revolucionária,
acumulada por uma exploração sem limites e por décadas de
repressão violenta, impulsionava agora um irreprimível
movimento popular sedento de liberdade e de justiça social .
Os trabalhadores agrícolas, principal força social propulsora
deste movimento, haviam dado gigantescos passos na sua luta e na
sua organização sindical.
Logo em Junho de 1974, com recurso à greve e a posterior
assinatura da 1ª Convenção de Trabalho, primeiro no concelho
de Beja e alastrando de seguida a mais nove concelhos do Baixo
Alentejo, não só foram conquistadas melhores jornas e a semana
das 44 horas, como foi alcançada a histórica consagração da garantia
de trabalho para todos os homens e mulheres cabeça de casal
e a cinquenta por cento para as restantes mulheres. Alteração
profunda das condições de trabalho que continuaria nos meses
seguintes a propagar-se como um rastilho pelos concelhos do
Alentejo e do Ribatejo e a fazer tombar, como peças de dominó,
a resistência dos latifundiários.
Em finais de Outubro, uma manifestação com mais de sete mil
trabalhadores agrícolas em Beja impõe o rápido fecho das
negociações e a assinatura de um Contrato Colectivo de Trabalho
agora válido por um ano e para todo o distrito. Para além de
outras reivindicações satisfeitas - registe-se, a título de
exemplo, o facto dos trabalhadores agrícolas terem conquistado
pela primeira vez o direito a férias , dez dias úteis para mais
de três anos de serviço - em matéria de garantia de emprego
fica consagrado que as propriedades em regime de
subaproveitamento total ou parcial estão sujeitas à colocação
de trabalhadores em número necessário à sua exploração
efectiva e rentável . E é de anotar o facto significativo do
movimento das Ligas dos Pequenos Agricultores, então com
crescente dinamismo no distrito, ter expresso o seu apoio às
posições dos trabalhadores rurais na sua negociação com os
grandes agrários.