O lapso do senhor Inspector
Por Odete Santos
Num recente debate televisivo, uma mulher deu
público testemunho de uma das variadas práticas
discriminatórias de que são vítimas as mulheres neste final de
milénio.
Foi apenas uma voz entre muitas.
Aquela mulher, aquela mulher jovem, estava grávida, e por estar
grávida foi despedida do emprego.
Recebeu da Inspecção do Trabalho, o organismo que existe para
fiscalizar o cumprimento das leis laborais, uma recusa de
intervenção, porque, alegadamente, a lei não autorizaria a
Inspecção a intervir.
Esperava-se que confrontado com o facto, o senhor Inspector Geral
do Trabalho, presente no programa televisivo, verberasse
energicamente a actuação da Inspecção. Ou então, aliás como
já vem sendo hábito, encetasse um largo rol de explicações
sobre a falta de meios da Inspecção.
Mas não. O senhor Inspector foi peremptório. A Inspecção,
disse, nada poderia fazer.
Remetendo-se depois a um teimoso silêncio quando confrontado com
a enormidade da sua afirmação.
A atitude do Inspector Geral do Trabalho, ignorando a
legislação contra as práticas discriminatórias, mostra bem o
laxismo que impera neste país, em relação ao cumprimento das
leis laborais. Existe uma cultura de impunidade entre entidades
patronais que desafiam os direitos conquistados pelos
trabalhadores.
A prática discriminatória, de que foi vítima a mulher que
testemunhava, é claramente uma discriminação em função do
sexo.
Em 1997 a Assembleia da República aprovou o Projecto de Lei do
PCP, que ficou conhecido como o Projecto do BCP, porque nascido
das discriminações das mulheres praticadas pelo senhor Jardim
Gonçalves, daquele Banco. Projecto que é hoje a lei 105/97 de
13 de Setembro.
Segundo o artigo 8º dessa lei, é punível com uma coima
graduada entre 5 e 10 vezes a remuneração mínima mensal,
qualquer prática discriminatória em função do sexo, directa
ou indirecta. Estabelecendo ainda no artigo 12º que compete à
Inspecção do Trabalho o levantamento dos respectivos autos.
Na legislatura finda, depois de o PCP ter apresentado um Projecto
de Lei agravando as coimas relativamente às violações das
normas laborais, o Governo do Parido Socialista apresentou
também uma Proposta de lei no sentido do agravamento das
sanções.
E, segundo o diploma nascido daquelas duas iniciativas
legislativas ( a lei 118/99, as práticas discriminatórias em
função do sexo passaram a ser punidas como contraordenações
graves (ver quadro). Cabendo à Inspecção do Trabalho o
levantamento dos respectivos autos.
Depois da inesperada " confissão" do Inspector geral
do Trabalho, compreende-se por que é que as entidades patronais
( ressalvando-se , claro, as cumpridoras) continuam a privar os
trabalhadores, e em especial as mulheres trabalhadoras, da
protecção das normas laborais.
E compreende-se o alastramento da cultura de impunidade.
Hoje as mulheres sofrem as mais variadas formas de
discriminação.
Continuam, de uma maneira geral, a ganhar menos do que os homens.
Quando é que a Inspecção do Trabalho faz cumprir a norma
constitucional " a trabalho igual, salário igual" ?
As mulheres são privadas de prémios de assiduidade e de
produtividade por causa das licenças de parto.
As mulheres temem usar do direito à assistência a membros do
agregado familiar, porque sofrem na redução do salário, o uso
daquele direito.
Quando é que a Inspecção do Trabalho põe fim a tantas
práticas discriminatórias?
Mas as perguntas não terminam aqui, nem na figura do Senhor
Inspector Geral do Trabalho.
Porque não é nele que reside o cerne da questão.
É o Governo socialista que deve condenar-se pela impunidade que
se respira nas grandes centrais patronais.
Foi o Governo Socialista que interpretou a lei da Flexibilidade
no sentido de que as pausas no horário de trabalho não contavam
para as 40 horas, adoptando a interpretação daquelas centrais.
Interpretação que os Tribunais do trabalho começaram a negar.
O Governo socialista é ,de facto, o executor da política
neoliberal que interessa ao capital.
Dessa política está ausente a efectivação dos direitos
económicos e sociais das mulheres, dos trabalhadores, dos jovens
e das crianças.
De todos os que sofrem da ausência de direitos em resultado das
exigências do capital.
E é com eles que estão os comunistas.
Contraordenações
por práticas discriminatórias
Dolo |
Negligência |
|
Grandes empresas | 415.000$00 a 1.450.000$00 | 225.000$00 a 800.000$00 |
Médias empresas | 330.000$00 a 930.000$00 | 130.000$00 a 360.000$00 |
Pequenas empresas | 220.000$00 a 600.000$00 | 100.000$00 a 275.000$00 |
Microempresas | 160.000$00 a 400.000$00 | 80.000$00 a 200.000$00 |