Co-incineração na ordem do dia
Os porquês do não



A questão da co-incineração ressurge nestes dias nos media, na sua dimensão política, que passa pela fractura no seio do PS, envolvendo quebras de compromissos eleitorais, aliás bem longe de serem inéditas. Razão para aqui retomarmos um tema que mobilizou populações, de Souzelas ao Barreiro.

O primeiro levantamento feito no nosso país da quantidade de resíduos industriais produzidos - com base em dados estatísticos de produção industrial e inquéritos a grandes empresas - data de 1986. Desse levantamento resultou um plano de gestão de resíduos que se resumia à instalação de dois aterros industriais, uma central de tratamento físico-químico e uma central de incineração. Uma proposta que deveria estar implementada em 1993, mas que só em 1994 vem a discussão pública.
O processo, já então alvo de grande contestação, acabaria por ficar suspenso até 1997. A indústria cimenteira (Secil e Cimpor) apresenta então uma proposta para incineração de resíduos nas suas instalações. Opção que viria a gerar uma mobilização e protesto popular impossíveis de ignorar.
Todos estes planos e negócios avançam, entretanto, sem que seja conhecida de facto a situação dos resíduos industriais. Os números apontados pelo Plano Estratégico de Redução de Resíduos Industriais (Pesgri), apresentado em Junho do ano passado na Assembleia da República, não correspondem à realidade (apenas 1,3 por centro das indústrias declararam o montante de resíduos produzidos).


O negócio e a fraude

A co-incineração é apresentada pelo sector cimenteiro, e justamente, como um negócio interessante. Na verdade, o Ministério do Ambiente prontificou-se a dar 1,5 milhões de contos dos dinheiros públicos à Secil e Cimpor para a colocação de filtros de mangas nas suas chaminés, o que seria exigível por força da actividade entretanto desenvolvida de produção de cimento.
Assim os dinheiros públicos irão pagar um investimento ambiental que caberia às cimenteiras fazer. Por acréscimo, os filtros de mangas melhoram, quando muito, a questão das poeiras, e esse não é certamente o maior problema da co-incineração.
As ligações entre políticas oficiais e negócios ressaltam do facto de o Governo, após ter aguardado dois anos para aprovar uma «Estratégia Nacional para os Resíduos Industrias», de duvidosa qualidade, o ter feito imediatamente, em 1998, um mês após as cimenteiras terem proposto este negócio.
E este negócio resolve, apesar de tudo, o problema dos resíduos industriais no nosso país?
Tudo indica que não.
Em documento do Partido Ecologista «Os Verdes», a co-incineração é denunciada como uma fraude, em dois sentidos.
Antes do mais, pela sua duvidosa eficácia enquanto método de tratamento de resíduos, pois não resolve o problema dos inúmeros locais contaminados (solos e água) e cria outros problemas, tão ou mais graves, como o lançamento para a atmosfera de dioxisnas, furanos e metais pesados.
Por outro lado porque, mesmo utilizando números do Ministério do Ambiente, para a co-incineração iriam seguir 5% dos resíduos industrias produzidos anualmente, incluindo 12% dos resíduos tóxico-perigosos. Assim o problema fica por resolver e são ignoradas e/ou inviabilizadas outras soluções, da redução à reciclagem, à reutilização, ao tratamento físico-químico, até ao acondicionamento seguro.


As propostas
dos «Verdes»


Neste quadro, «Os Verdes» defendem, como ponto de partida para a definição de respostas ao problema dos resíduos, por um lado, o privilegiar «o interesse das pessoas, da sua saúde, da sua qualidade de vida e não interesses economicistas», por outro, a sua sustentação «em dados fiáveis, estudos credíveis, e no conhecimento rigoroso das diferentes alternativas e suas consequências».
O Partido Ecologista considera essencial a elaboração de um inventário nacional de todos os resíduos produzidos, uma Estratégia Nacional para os Resíduos Industriais, que contenha planos sectoriais de redução, reutilização e reciclagem e a promoção de um amplo debate público.
Destaque: A co-incineração é apresentada pelo sector cimenteiro, e justamente, como um negócio interessante.

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Os riscos das dioxinas

A opção pela co-incineração, que representa «lançar para a atmosfera perigosas substâncias como dioxinas, furanos e metais pesados, não é alternativa aceitável», dizem «Os Verdes».
Os perigos são múltiplos:

- Estas substâncias estão comprovadamente associadas à origem de problemas cancerígenos e malformações genéticas;
- Muitas outras substâncias resultantes destes processos são desconhecidas assim como os seus efeitos no ambiente e saúde pública, e o seu efectivo conhecimento será sempre tardio depois de tomadas decisões neste sentido;
- Não há uma segurança a 100% de que a incorporação de substâncias desta natureza no cimento não possa trazer consequências;
- Não há certezas de que não haja lixiviação de metais pesados contidos no cimento;
- O cimento, com o tempo, envelhece, perde qualidades e consistência, e virá a constituir, certamente, um resíduo perigosos;
- Contribui para hipotecar o futuro da salubridade do ambiente e da qualidade de vida;
- Este processo é extremamente desincentivador de qualquer programa de redução e reaproveitamento de resíduos.


«Avante!» Nº 1371 - 9.Março.2000