Pinochet no Chile



Condenado internacionalmente mas libertado por Londres por «razões humanitárias», o ditador Augusto Pinochet voltou a semana passada ao Chile sem honra nem glória. A esperá-lo encontrou 60 processos criminais que visam todos o seu julgamento por crimes graves cometidos durante a ditadura, e 54 dos seus homens de mão - militares retirados e no activo, entre os quais cinco generais - processados pela justiça civil por violação de direitos humanos.

Vinte e seis anos depois do golpe militar que levou Pinochet ao Poder, as vozes que se fazem ouvir no Chile exigindo saber a verdade sobre os desaparecidos e que se faça justiça para condenar os responsáveis pelos anos de terror soam cada vez mais alto. Resta saber se a sua força é bastante para fazer funcionar as instituições de um país que se diz democrático mas que ainda não soube, ou não quis, cortar todas as amarras com o passado.
No sábado, quando o novo presidente, Ricardo Lagos, assumir o seu lugar no palácio de La Moneda, os chilenos vão exigir que cumpra a promessa feita de deixar o caminho livre aos tribunais para que cumpram o seu papel. Como afirmou um dos advogados que processa Pinochet, «chegou a hora da verdade». A imunidade parlamentar de Pinochet terá de ser levantada para que possa responder em tribunal. Cabe ao juiz Juan Guzmán levar essa petição perante os 25 magistrados do Tibunal de Apelações de Santiago, para que se pronunciem. Consciente de que assumiu uma grande responsabilidade, «já que o mundo terá os olhos postos no Chile», o magistrado garante não ter recebido pressões de qualquer tipo. O mesmo afirma o prisente do Supremo Tribunal, Hernán Álvarez, assegurando que os chilenos estão em condições de assumir as suas próprias responsabilidades.
Para a coligação governamental (aliança de socialistas e democrata-cristãos), o regresso de Pinochet ao Chile é visto como positivo. Diferente é a opinião da presidente do Partido Comunista, Gladys Marín, para quem a libertação do ditador é fruto da «grande cruzada para conseguir o seu regresso».
Recorda-se que Pinochet esteve sob prisão domiciliária em Londres durante 503 dias, na sequência de um pedido de extradição apresentado em 1998 pela justiça espanhola, sendo libertado por decisão do ministro do Interior britânico, Jack Straw. A decisão, política, baseou-se na convicção de Straw de que o ditador «está incapacitado para ser submetido a julgamento».


«Avante!» Nº 1371 - 9.Março.2000