Uma reflexão sobre a esquerda no limiar do século XXI e o seu papel na transformação da sociedade
Tornar possível o impossível



«Considero que a esquerda, para o ser, não pode instalar-se no que está instituído como se as correlações de forças e as regras do jogo fossem imutáveis».

As palavras são de Marta Harnecker, escritora e socióloga chilena, cujo último livro, «A Esquerda no Limiar do Século XXI - Tornar possível o impossível», será lançado em Portugal na próxima semana.
Para esta grande divulgadora do marxismo na América Latina, a esquerda «não pode conceber a política como a arte do possível», antes deve dirigir toda a sua actividade «justamente para modificar esta situação». Mas à concepção da política como a arte do possível não deve opor-se uma política voluntarista, que ignore as circunstâncias concretas em que há que actuar, que pretenda não ter a ver com nada, alerta Marta Harnecker. «A esquerda deve partir da realidade efectiva, mas ao mesmo tempo deve aplicar a sua vontade na criação de uma nova correlação de forças partindo do que nessa realidade há de progressista para o reforçar», defende. «Trata-se de partir da realidade efectiva - sublinha a socióloga - não para se submeter a ela, como o faz a esquerda "diplomática", mas para elaborar uma estratégia que lhe permita dominá-la e superá-la ou pelo menos contribuir para isso».
Marta Harnecker defende que «para a esquerda consequente a política deve consistir na arte de descobrir as potencialidades que existem na situação concreta de hoje para tornar possível amanhã o que no presente parece impossível».
Conceber a política como uma construção de forças implica, segundo a intelectual chilena, «abandonar a visão tradicional da política que tende a reduzi-la exclusivamente ao relacionamento com as instituições jurídico-políticas e a exagerar o papel do Estado». Nesta visão, afirma, «caem tanto os sectores mais radicais da esquerda, como os mais moderados: os primeiros centram toda a acção política na tomada do poder político e na destruição do Estado, e os mais reformistas na administração do poder político ou no exercício do governo. Tudo se centra nos partidos políticos e na disputa em torno do controlo e da orientação dos instrumentos formais de poder; os sectores populares e as suas lutas são os grandes ignorados».
Segundo a autora, o que se verifica actualmente é que uma parte da esquerda, e nalguns países, lamentavelmente, uma maioria, ao constatar a impossibilidade imediata de mudar as coisas devido à desfavorável correlação de forças existente no seu próprio país e no mundo, «considera que não resta outro caminho do que ser realista, reconhecer essa impossibilidade e limitar-se a adaptar-se oportunisticamente à situação existente». A política assim concebida, diz Marta Harnecker, «exclui, de facto, qualquer tentativa para levar por diante uma alternativa ao capitalismo neoliberal».

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Notas sobre Marta Harnecker


Escritora, socióloga e pedagoga chilena.
Autora de mais de quarenta livros, publicados em vários idiomas. Um deles - Conceitos elementares do materialismo histórico», editado pela Siglo XXI (1970), vendeu em língua espanhola mais de um milhão de exemplares.
Discípula do filosofo francês Althusser, foi a grande divulgadora do marxismo na América Latina. Durante o governo da Unidade Popular, dirigiu em Santiago o semanário «Chile Hoy», posteriormente fechado pela ditadura de Pinochet.
Actualmente dirige em Havana uma ONG, MEPLA (Memória Popular Latino-Americana), que tem editado números livros e vídeos orientados para a recuperação da memória do Continente (entrevistas com comandantes de movimentos guerrilheiros, trabalhos sobre governos locais que desenvolveram políticas de democracia participativa e sobre experiências de base comunitária, etc.).
O seu último livro – A Esquerda no Limiar do Século XXI - Tornar possível o impossível - com prefácio de Miguel Urbano Rodrigues, será lançado em Portugal, pela Campo das Letras, no Porto e em Lisboa, nos dias 13 e 14 de Março. A primeira edição dessa obra, lançada em Madrid pela Siglo XXI, esgotou em duas semanas. A edição cubana foi apresentada recentemente em Havana e as edições francesa e brasileira serão publicadas brevemente.


«Avante!» Nº 1371 - 9.Março.2000