«Medicina preventiva» à americana

Por Pina Gonçalves



O capitalismo mundial sob a liderança norte americana atribui-se a si próprio o direito supremo de julgar os outros e de reprimir qualquer atitude de maior independência face à sua política.

Prosseguindo com a sua prática de «direito de ingerência», o governo dos EUA decidiu dar início a uma política de implementação de sistemas judiciais que, com as devidas adaptações, lhe sirvam os seus interesses.
Em Fevereiro deste ano o departamento de estado dos EUA anunciou a tomada de iniciativas que conduzam à adopção de uma política mundial que leve à implementação ou reconstrução de sistemas judiciais nos países onde se realizem operações de paz a partir da experiência adquirida em Granada, Panamá, Bósnia, Kosovo e Somália entre outros países.
Esta directiva aponta para o «fortalecimento dos sistemas de justiça criminal em apoio a operações de paz».
Os campeões da democracia escamoteiam o facto de que detém o recorde mundial de apoio tácito ou efectivo a todas as ditaduras fascistas desde o pós-guerra, com destaque para a América Latina.
Sabendo muito bem o que quer, o império norte americano afirma sem problemas: «Promover a segurança pública a curto prazo e desenvolver instituições de justiça criminal com capacidade de resposta a longo prazo pode apoiar com sucesso e economicamente os interesses Americanos». Mas, sabendo a opinião pública mundial que os EUA são o país do mundo com mais criminalidade violenta, incluindo entre crianças e que muita desta criminalidade tem na sua génese o tráfico de droga e de armas, só pode desconfiar dos verdadeiros objectivos desta suspeita preocupação com a ordem pública e ter acrescidas razões de preocupação.
Explicando que, «Num mundo cada vez mais global, a segurança nacional dos EUA e outros seus interesses estão inelutavelmente ligados à eficácia dos sistemas estrangeiros de justiça criminal…», o governo dos EUA determina a criação de um gabinete ou agência nacional para administrar esta política e promover a cooperação interdepartamental dos Departamentos de Justiça, Estado, Defesa, Tesouro, Transportes, Agricultura e Interior, sem esquecer a participação dos serviços secretos.
Prevendo operações em que a presença norte americana não seja a principal, Clinton recomenda ao seu governo iniciativas que garantam uma presença no respectivo quartel general, de pessoal norte americano qualificado ao nível da planificação e coordenação, para partilhar informação e para prestar apoio ao que designa «operações psicológicas» e de «informação militar».
Nesta directiva defende-se que deve ser a NATO a definir os standards e exigências de qualificação gerais para os vários especialistas que sejam requeridos para cada operação.
Quanto às tarefas principais das forças internacionais, os EUA definem já o que pretendem: regulação dos movimentos das populações, intervenção para travar a violência civil, impedir os saques e o vandalismo, impedir insurreições ou outras acções de massas, dispersão de manifestações ilegais ou violentas e de distúrbios civis.
Do ponto de vista operacional os norte americanos advogam a intervenção de forças especializadas em controle de multidões, podendo ter mandato para o uso de força letal.
A tomada de iniciativas que influenciem países e organizações mundiais e regionais para esta política é uma das orientações gerais desta directiva.
O medo que o capital nutre pelas massas organizadas, pela revolução e pelos revolucionários não é novo, nem se desvaneceu com o fim da guerra fria.
No final do século XX, em Seattle, reprimiu com violência as manifestações contra a sua globalização.
No início deste século ajudou o regime «amigo» do Equador contra as justas exigências da população índia.
E há 33 anos, anunciando o assassinato de Che Guevara ao Presidente Lyndon Johnson, o seu conselheiro Walt Rostow escreveu:
"A morte de Guevara acarreta estas implicações relevantes:
Marca a passagem de mais um dos revolucionários agressivos e românticos como Sukarno, Nkrumah, Ben Bella – e reforça esta tendência.
No contexto Latino Americano terá um forte impacto no desencorajar de eventuais guerrilhas.
Mostra a solidez da nossa «medicina preventiva» assistência a países enfrentando insurreições incipientes – foi o 2º Batalhão Ranger Boliviano, treinado pelos nossos Boinas Verdes entre Junho-Setembro deste ano que o encurralou e apanhou.
Nós fizemos passar estes pontos através de vários jornalistas."
Para além de ser uma grave perturbação da ordem pública, naquele tempo também era crime punível com a morte tentar fazer a revolução.
É contra esta tendência, que os revolucionários de hoje continuam a lutar com determinação, coragem e imaginação um pouco por todo o mundo, mantendo vivos os seus ideais e enfrentando novas lutas, porque os projectos de vida da humanidade não coincidem com os do capitalismo.


«Avante!» Nº 1371 - 9.Março.2000