ARGUMENTOS
Ética cristã e «metodologia franciscana»
Por Jorge Messias
Quando recentemente perguntaram a João Alberto Pinto
Basto, na sua qualidade de dirigente da organização que dá
pelo incrível nome de «Associação Cristã de Empresários e
Gestores», se a ética cristã seria compatível com o lucro
capitalista, o magnata teve esta resposta lapidar : «Ética dá
lucro!».
Pinto Basto sabia o
que estava a dizer. Aliás, no contexto em que esta afirmação
foi proferida, os conceitos de ética e de lucro têm
contornos precisos. Ética cristã, corresponde à forma
como o grande empresário considera o nível moral dos seus
próprios comportamentos. Lucro, neste caso, é a
mais-valia social, o benefício da própria imagem pública de
grupo que só as frequentes alusões à ética cristã podem
fornecer ao capitalista.
A cobertura que a doutrina da igreja pode, assim, garantir à
imagem de marca do grande capital incide, neste caso, no mundo
dos negócios. Mas também nas esferas da política o mesmo
acontece. Ética cristã é reserva ideológica estável. Política,
poder actual em mudança. A convergência destes interesses
já levou, aliás, observadores interessados, como a engª. Maria
de Lurdes Pintasilgo a concluir, em dada altura : «A política
é a face moderna do sagrado ...». Expressão consideravelmente
ambígua mas também síntese notável de uma certa maneira de
estar na vida e na política em geral.
Considerações deste tipo remetem para outras ilustrações, em
áreas de acção diferentes. E, entre vários outros exemplos
disponíveis, vamos encontrar um depoimento, que interessa
destacar, numa notável entrevista do padre franciscano Frei
Gianmaria Polidoro, figura grada da diplomacia do Vaticano que,
como tantas outras, a igreja remeteu para um prudente
semi-anonimato. No entanto, o padre Polidoro é homem da mais
alta confiança da igreja de João Paulo II. Como agente das
políticas da Secretaria de Estado, viveu durante anos na URSS,
foi amigo de Gorbatchov e de Ronald Reagan, esteve em S.
Francisco de Assis e no célebre encontro da Biblioteca do
Vaticano. Após o desmantelamento dos governos socialistas do
Leste da Europa, a Ordem nomeou-o Superior dos Franciscanos
albaneses, justamente quando os Balcãs estavam prestes a
mergulhar nos conflitos da Bósnia, da Croácia e do Kosovo. Tem
o exacto perfil dos membros da «Comunidade de Santo Egídio».
Nessa altura, em 1992, o padre Polidoro falava no âmbito da sua
recente intervenção política na URSS. Prudente, no início da
entrevista, abriu-se um pouco depois quando, no fio da conversa,
surgiu a questão de se saber se existiria, no quadro teórico da
intervenção diplomática do Vaticano, uma metodologia própria
e comum a outras situações paralelas. Frei Gianmaria confirmou
esta suposição e consentiu, mesmo, em explicar as linhas
metodológicas gerais adoptadas pela igreja. Apenas algumas,
naturalmente. De forma telegráfica, como este espaço impõe,
refere-se em seguida um pouco do essencial por ele divulgado. A
síntese mais parece uma receita de culinária... Passe, enfim, a
leviandade da ironia, porque o assunto é verdadeiramente grave.
Primeiro, instala-se entre os adversários o «pensamento
positivo»: nem tudo é mau no inimigo, é preciso olhar para o
seu lado bom. Depois, convencem-se os oponentes a comparar
a sua verdade com a verdade do outro: o discurso político
oculta, frequentemente, insuspeitadas afinidades. Em terceiro
lugar, valoriza-se o papel da economia em detrimento do
factor ideológico. Esta é a etapa decisiva que envolve os
grandes meios de financiamento alternativo. A luta das massas é
dura e desnecessária. Há meios disponíveis para que se
atinjam, de outra maneira, os justos fins sociais em vista.
Então, as forças representativas e os líderes do poder
oponente surgem na opinião pública como autómatos com um
discurso inútil e repetitivo. Como organizações de homens e
mulheres, quantas vezes manchados pela corrupção que o poder
arrasta, pelos ódios e pela falta de convicções profundas.
Então, quarta e última etapa, importa perdoar, mas
com justiça. A luta de classes dá lugar à reconciliação.
O Estado moraliza-se ao identificar-se com os valores espirituais
e humanitários de cepa cristã.
Naturalmente que o p. Gianmaria omitiu o facto de que na esteira
da igreja caminham, invariavelmente, o FMI, o Banco Mundial, as
poderosas transnacionais e todos os Champalimaud, Stanley Ho,
Jardim Gonçalves, Melícias, Maias, Seabras e Guterres do mundo
capitalista seguidos, entre águas turvas, pela flotilha de
submarinos dos herdeiros de Escrivá de Balaguer. À sombra de S.
Francisco.