O mistério da desigualdade
Fernando Correia, no seu livro «Os
Jornalistas e as Notícias», refere como velha fórmula do
jornalismo anglo-saxónico a de que «os factos são sagrados, as
opiniões são livres». Boa máxima a fixar para quem escreve.
Mas não parece que o PCP, a sua história, a sua realidade e a
sua acção política estejam actualmente destinados a essa
sagração factual.
Importa perguntar por quê.
Os comunistas têm sido, nos últimos dias, objecto de especial
atenção por parte da comunicação social. Desde a idade dos
dirigentes até às suas pretensas tendências políticas no
partido, de «duros» a «renovadores», passando por
irreveláveis, muito se tem escrito. O mal não é que se escreva
tanto. É que se escreva tão mal.
Esta apagada e falseada análise do PCP nos meios de
comunicação social deixa-me insatisfeito e revoltado. Os
comunistas merecem muito mais. Pelo que são e pelo que já deram
ao seu país, à sua cultura, à sua história - pela sua
contribuição para a construção da democracia e pela
resistência que fincaram em terra fascista de partido único, em
que o PCP foi o único que resistiu à ditadura como força
política coesa e organizada.
Poderá dizer-se que é esse o estilo em voga para tratamento da
vida política na nossa imprensa. Mas não é verdade. Há de
facto, quanto ao PCP, uma grande, enorme diferença de fundo, de
conteúdo, de raíz: enquanto nos outros partidos o que se
comenta e está em causa são «líderes» ou «lideranças»
traçadas em qualquer curva ou esquina de conjuntura, almoçadas
ou jantadas num qualquer restaurante, relativamente ao PCP, mesmo
quando parece que se fala de pessoas, até classificando-as e
rotulando-as, o alvo é outro. Não são as pessoas as visadas -
embora isso também possa interessar a alguns articulistas como
especiaria acrescentável - mas sim a própria essência do ideal
comunista, a natureza que fez e faz do PCP uma diferença na
sociedade portuguesa. Porque essa diferença existe: enquanto
esses partidos se propõem apenas alternar na gestão da
sociedade tal como ela é e está, os comunistas visam uma
alternativa de transformação dessa mesma sociedade.
Por essa diferença o PCP é diferente e tem naturalmente que ser
diferente. Pode haver quem não compreenda o sentido da
diferença. Mas há decerto quem nos ataque mais por bem demais o
compreender.
Afinal o mistério de um tratamento desigual é fácil de
desvendar: reside simplesmente na diferença de ser ou não ser.
Há quem já tenha dito sobre isto que aí está a questão. Por
mim, acho que Hamlet tinha toda a razão. Aurélio
Santos