A vertigem militarista

Por Pedro Guerreiro



No passado dia 22 de Fevereiro realizou-se a primeira reunião conjunta entre a Comissão de Assuntos Externos do Parlamento Europeu e a Assembleia Parlamentar da NATO, sob o tema «A segurança europeia e a política de defesa após a Cimeira de Helsínquia», que contou com a participação de Christopher Patten, Comissário para as Relações Exteriores.

Foi uma reunião conjunta que, por ser a primeira vez que se realiza, se revestiu de um importante significado político. Para alguém que desconhecesse o que é a nova Política Europeia Comum de Segurança e Defesa (PECSD) da UE e o que se pretende dela, a reunião não podia ter sido mais esclarecedora.
Para a generalidade dos que puderam intervir a PECSD é o instrumento que permitirá à União Europeia, como pilar europeu da NATO (concepção por diversas vezes salientada), intervir com uma componente militar e/ou não militar, em situações onde os «seus» interesses estejam em causa. A mesma tese que defendeu António Guterres em declarações a um jornal alemão, onde afirmou esperar que a UE no contexto da política externa e de segurança europeia, «seja um dia o pilar europeu da NATO, e que a Europa, enquanto unidade política, esteja em condições de intervir em crises internacionais de maior dimensão».
Ou seja, a definição e realização, em ritmo acelerado, dos instrumentos que implementam o novo «conceito estratégico» da NATO na Europa, decidido na sua Cimeira de Washington, realizada no momento em que assinalava os 50 anos de existência.


Um exército à pressa

A generalidade dos participantes nesta reunião defendeu a rápida formação, no âmbito da UE, de uma força militar de intervenção, por forma a dar resposta às «exigências» que se lhe colocam na «gestão» da sua «área de influência» na Europa e regiões vizinhas, por forma a reforçar a sua capacidade de «exercer influência». Para tal defendem a necessidade da afirmação da sua vontade política e da sua habilidade prática no uso da força militar em último recurso, no quadro do reforço das relações transatlânticas.
Alguns dos intervenientes salientaram a necessidade da UE se dotar de uma capacidade de decisão autónoma quanto à utilização de meios militares convencionais clássicos a nível regional, em acções próximo das «suas» fronteiras.
Para criar tal instrumento de intervenção militar, apontam como necessário o aumento das despesas militares ao nível de cada Estado membro - o ministro da defesa francês propôs o compromisso de os quinze membros da UE elevarem em 0,7% do PIB (será oportuno recordar a proposta da ONU de disponibilizar 0,7% dos PIB para a cooperação e que tantos esqueceram) a despesa em investimento para a defesa - a reorganização das indústrias de defesa ao nível da UE e novos investimentos em tecnologia e investigação militar.


Persuadir eleitores

Mostram-se no entanto preocupados face à possível, e previsível, reacção das opiniões públicas nacionais quanto ao aumento das despesas militares. Por isso pensam ser necessário «persuadir» os «eleitores» para a necessidade de aumentar os orçamentos para a defesa (será oportuno questionar se o Pacto de Estabilidade, que tanto tem servido para desculpar o não investimento nas áreas sociais, será agora «esquecido», ou será que as áreas sociais serão mais uma vez as sacrificadas...).
Conscientes da complexidade deste processo, procuram garantir a sua rápida evolução, ultrapassando as diversas contradições, de que são exemplo, a não duplicação de meios, a indivisibilidade da NATO e a participação de todos os países europeus que integram a NATO e não integram a UE.
A preocupação em assegurar a coordenação EU/NATO/EUA é das mais afirmadas, sendo a escolha de Javier Solana, anterior Secretário geral da NATO, para primeiro Alto representante da UE para a Política Externa e Segurança Comum e para Secretário geral da União da Europa Ocidental, só por si uma resposta.
Sobre a necessária desmilitarização das relações internacionais, sobre a abolição e destruição das armas nucleares, sobre o necessário desarmamento, sobre o papel da Organização de Segurança e Cooperação Europeia como base para a garantia da paz e cooperação na Europa, nem uma palavra...
No preciso momento em que a reunião se desenrolava, a alguns milhares de quilómetros, um povo confrontava-se com uma dramática situação causada por fortes intempéries, lançando um apelo de emergência à mobilização da solidariedade por forma a prestar socorro, a dar resposta às suas necessidades mais urgentes e a fazer face à destruição causada. A resposta dada no plano internacional, a sua lentidão e a exiguidade dos meios disponibilizados foi a que se verificou e que conhecemos.
A ajuda ao povo de Moçambique não está nas prioridades das grandes potências.


«Avante!» Nº 1371 - 9.Março.2000