Fazer o essencial
A poderosa manifestação promovida
pela CGTP por ocasião da mal chamada «Cimeira do Emprego»,
constituiu o mais relevante acontecimento nacional na semana que
passou. Pondo a nu o conteúdo mistificatório e hipócrita da
«Cimeira» a manifestação de dezenas de milhar de
trabalhadores evidenciou, igualmente, as enormes potencialidades
de desenvolvimento da luta de massas pela dimensão que
assumiu, pela combatividade que confirmou, pelas fortíssimas
presenças feminina e juvenil, pelos objectivos que tinha.
Tratou-se, de facto, de uma muito forte jornada de luta que
frustrou clamorosamente os sonhos do Primeiro Ministro: ao
contrário do que António Guterres previa e pretendia, o ponto
alto da denominada «Presidência Portuguesa» foi, para já,
não «a sua Cimeira» - que simulando o combate ao desemprego
esteve, de facto, ao serviço dos interesses do grande capital
mas a gigantesca manifestação da CGTP
demonstrativa da determinação dos trabalhadores portugueses de
não desistirem da luta pela defesa dos seus direitos e
interesses. À cimeira do capital, ali representado pelos chefes
de Estado e de Governo da UE, responderam os trabalhadores com a
sua cimeira do trabalho e da luta. E ficou claro que o que se
passou «lá dentro» confirma a necessidade de os trabalhadores
prosseguirem e intensificarem a sua luta porque nada lhes
será oferecido pelo inimigo de classe e tudo o que conquistarem
será, sempre e só, através da luta.
Possivelmente nenhum dos produtores e
difusores da tese da «ausência de oposição» à política do
Governo do PS se lembrou de tal tese ao ver as imagens da
imponente manifestação de oposição a essa política... É
que, para esses manipuladores da realidade, «oposição» é
outra coisa: é duelo verbal fluente e inócuo; é exibição de
fintas e demagogias mediáticas; é fingir bem que se está
contra aquilo que, de facto, se defende; é proclamar
altissonantes intenções de apresentar moções de censura ao
Governo dias depois de lhe votar o OE; é afirmar-se como
«alternativa» sendo alternância e representar bem o papel de
suposto defensor de uma política diferente; é criar factos
políticos que se tornem notícia e desviem as atenções da
prossecução da política de direita; é agir na base de
métodos e práticas conducentes ao descrédito dos partidos, da
política e dos políticos espalhando a útil e cómoda ideia de
que os partidos e os políticos são todos iguais; é jogar bem
jogado um «jogo democrático» que não só não ponha em causa
a política de direita como, pelo contrário, a estimule e lhe
dê força. Assim sendo, é óbvio que nenhum dos propagandistas
da «ausência de oposição» inserirá na tese comum a todos
eles o papel e o significado da manifestação de massas do dia
23 nem das múltiplas lutas que milhares de trabalhadores
desenvolvem nos mais diversos sectores de actividade; nem da
campanha nacional do PCP por melhores salários, emprego com
direitos e valorização do trabalho.
Escondidos por detrás de um falso manto de
preocupações com o desemprego, a exclusão social e a pobreza,
os «quinze» cumpriram durante dois dias o seu papel de «bons
rapazes». A operação propagandística que antecedeu a
«Cimeira» - e, de forma muito especial, a promoção da imagem
do engenheiro Guterres como iluminado descobridor do fim do
desemprego continha todos os ingredientes necessários à
confecção do cozinhado pretendido, aliás como sempre aconteceu
em situações anteriores. Como é sabido, nos últimos anos têm
ocorrido «cimeiras» várias tendo sempre como pretensa
preocupação prioritária a resolução do problema do
desemprego, e todas elas se têm traduzido, segundo os seus
promotores, em «incontestáveis êxitos» - entretanto o
desemprego e a precariedade, indiferentes a tais «êxitos»,
continuaram a aumentar. Por seu lado, António Guterres
celebrizou-se enquanto inventor de milagrosas receitas que,
segundo os seus panegiristas de serviço, deixaram todos os seus
congéneres do Planeta boquiabertos e poriam fim definitivo ao
desemprego. Aplicadas as mézinhas do engenheiro Guterres, a
situação é a que se conhece. E assim acontecerá na sequência
desta «cimeira» de Lisboa e de todas as que, todos os anos na
Primavera, lhe vierem a suceder. Pela simples razão de que o
capitalismo gerador de desemprego e de mau emprego e deles
se alimentando não está obviamente interessado em
roubar-se, em tirar a si próprio o alimento que é
indispensável à sua existência.
Assim, realizada com o pretenso objectivo de
criar «mais e melhor emprego» e de pôr fim à «exclusão
social e à pobreza», a «cimeira de Guterres» aprovou as
conclusões necessárias para a criação de menos e pior emprego
e para a acentuação da exclusão social e da pobreza. Daí a
satisfação final do Primeiro Ministro: «Não fizemos tudo mas
fizemos, claramente, o essencial». Opinião perfilhada,
naturalmente, pela CIP que, considerando «positivas» as
conclusões do conclave explicava, didáctica: «As medidas
aprovadas na Cimeira centram-se no desenvolvimento económico, em
vez do social, e isso parece-nos bem. Defendemos que deve ser
desenvolvido o social que provar que tem possibilidade de
sustentação económica». Daí, igualmente, o elogio da CAP:
«É positivo que o Governo tenha conseguido concretizar esta
Cimeira, que foi de alguma forma conclusiva, dado que os três
encontros anteriores não tinham conseguido chegar a medidas
concretas (...) obviamente, não será a agricultura a criar
empregos». Razão, portanto, para Guterres: «fizemos,
claramente, o essencial».