Os Congressos do Partido - 5
V Congresso
«Uma realização vitoriosa»

O V Congresso do PCP que teve lugar em 1957, embora haja confirmado e consolidado o desvio de direita que se verificava na perspectiva e no trabalho político do Partido a partir do ano anterior, ao definir uma «via pacífica» para o derrubamento do fascismo, foi um importante congresso, conforme atestam os depoimentos de dirigentes que nele participaram.

É, com efeito, a primeira vez que, de modo oficial e na sequência de uma política anticolonialista que já vinha de muito antes, que o PCP aprova em congresso uma declaração em que proclama o «reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias à imediata e completa independência», como recorda Jaime Serra. Mas é também aí que, pela primeira vez, são aprovados os Estatutos do Partido. No informe que os apresenta, é salientado que «sem a existência de um partido proletário, guiado pela teoria do marxismo-leninismo e profundamente enraizado nas massas populares, não seria possível operar as grandes transformações políticas, económicas e sociais que o País instantemente reclama». Como ainda se refere no «Avante!» da 1.ª quinzena de Outubro de 1957, o Congresso definiu o centralismo democrático como «pedra angular da orgânica do Partido», pôs em relevo as disposições que estabelecem «o método de direcção colectiva» e salientou a necessidade de uma profunda ligação do Partido às massas, prosseguindo na tarefa fundamental de unir a classe operária.
Também neste congresso foi aprovado, pela primeira vez, um importante documento para o futuro - o Programa do Partido - do qual Joaquim Gomes lembra algumas medidas então avançadas.
Recordar o V Congresso é não apenas lembrar a crítica que mais tarde mereceram as ilusões «pacifistas», mas sublinhar o empenhamento dos comunistas que então afirmavam: «O nosso Partido é o Partido da classe operária, a classe do futuro que encarna as melhores tradições de luta do nosso povo. Por isso, camaradas, da força ou debilidade do nosso Partido depende muito o futuro da nossa Pátria e os destinos do nosso povo.»


Jaime Serra:


Como foi
o V Congresso do PCP

O V Congresso realizou-se em princípios de Setembro de 1957 em condições de rigorosa clandestinidade, numa ampla vivenda, a «Casa dos Quatro Cedros», situada na Rua do Campo Santo, Galiza, Estoril, alugada para o efeito durante um mês, a qual ainda hoje existe.
A casa foi alugada por um casal de membros do Partido, que tinha então a sua actividade e vida familiar normais, acima de qualquer suspeita. Não obstante, por razões de segurança, durante a realização dessa tarefa, deixaram de ter contactos com os seus familiares, sob qualquer pretexto, que não recordo agora.
O congresso durou três dias e nele participaram cerca de cinquenta congressistas, vindos de todas as organizações do Partido. Por razões de segurança, começaram a ser transportados e a entrar na casa, aos grupos, dois dias antes do início do Congresso. Foram conduzidos com os olhos vendados, em carros alugados. Como a vivenda tinha uma garagem privativa na cave, por debaixo do sala do rés-do-chão, os carros entravam ali directamente com os camaradas congressistas. Abriu-se no soalho da dita sala uma passagem, uma espécie de alçapão, por onde entraram (e saíram posteriormente) todos os congressistas. Depois do Congresso essa passagem foi de novo fechada.
Quando das entradas, numa das viagens, na zona de Algueirão-Mem Martins, apareceu na estrada a Polícia de Trânsito numa operação «stop» ,vulgar nessa época. Os camaradas tinham a indicação de que, havendo um determinado sinal, tiravam os óculos (levavam óculos escuros, pintados ). Felizmente tudo correu bem. Foi apenas um susto.
Todas as questões logísticas, que iam das condições de alojamento, passando pela aquisição e conservação dos alimentos necessários para meia centena de pessoas durante cinco dias, até aos cuidados de saúde para prevenir casos que eventualmente poderiam surgir, tudo foi tratado com a devida antecedência.


No plano das decisões políticas, o que marcou a importância do V Congresso, foi, fundamentalmente, a aprovação duma resolução sobre o problema das colónias, intitulada Declaração do V Congresso do Partido Comunista Português sobre o Problema das Colónias.
Deve recordar-se que estavam nessa época em Portugal, centenas, senão milhares, de jovens estudantes vindos das colónias portuguesas, pagos pelas «missões religiosas». Muitos deles estavam organizados no MUD Juvenil, em cujas lutas participavam. Foram envolvidos na onda das lutas estudantis em 1955 e 1956, como foi o caso, por exemplo, de Agostinho Neto, várias vezes preso pela PIDE, que viria a ser o primeiro Presidente da República Popular de Angola. Isto contribuiu muito para a politização desses jovens.
A necessidade e urgência duma posição clara por parte do Partido em relação ao problema colonial resultava, também desta situação.
Quatro anos depois do V Congresso do PCP, começava a luta armada dos povos das colónias portuguesas pela libertação
Nessa Declaração, depois duma análise aprofundada sobre a questão, diz-se:
«O V Congresso do Partido Comunista Português proclama o reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias de África dominadas por Portugal à imediata e completa independência.

«Ao definir o problema nestes termos, o V congresso está certo de que tal facto abrirá imediatamente enormes perspectivas ao desenvolvimento do movimento libertador dos povos coloniais que estão sob o jugo do colonialismo português.»


E a terminar:
«O V Congresso considera que a ajuda que o Partido e o povo português prestarem ao movimento libertador dos povos coloniais, traduzir-se-á objectivamente numa ajuda à luta da classe operária e ao povo de Portugal pela sua própria libertação, dado que um regime de opressão como o de Salazar não poderá sobreviver à libertação dos povos coloniais.
«A causa dos povos das colónias identifica-se com a nossa própria causa.

«Não pode ser livre um povo que oprime outros povos!»


Joaquim Gomes:


Quatro documentos
fundamentais

O V Congresso, como todos os que foram realizados nas condições de clandestinidade, independentemente dos documentos neles aprovados, constituíram vitórias importantes do Partido, quer no terreno da organização, quer na sua capacidade de luta pela liberdade e contra a tirania fascista. Contudo, embora em alguns documentos apresentados para a discussão no Congresso fosse manifestada a intenção de corrigir o desvio de direita que vinha desde a reunião do CC de Maio de 1956, na qual foi considerado como possível derrubar o regime fascista de Salazar pela via pacifica, apesar de tal intenção, tudo ficou na mesma, não obstante no próprio Congresso se terem levantado vozes discordantes com a via pacífica.
Foram quatro os documentos fundamentais aprovados no Congresso, A Declaração do Partido Comunista Português sobre as Colónias Portuguesas; os Estatutos e o Programa do Partido e, naturalmente, o Relatório Central apresentado ao Congresso. Como atrás foi referido, o Desvio de Direita, em vez de corrigido, de certo modo saiu do Congresso reforçado. Na realidade, só em 1961, com o aparecimento do folheto do Comité Central, «O Desvio de Direita no Partido Comunista Português nos anos de 1956-1959», cuja autoria, toda a gente sabe, foi do camarada Álvaro Cunhal. Só a partir deste folheto se ficou a conhecer a dimensão dos erros e das ilusões oportunistas que se desenvolveram no Partido em volta deste desvio.
A esta distância torna-se praticamente impossível recordar como decorreu no Congresso a discussão e a aprovação de cada um dos documentos apresentados. O que ainda me resta na memória é bastante pouco. No entanto, recordo que a Declaração do V Congresso do Partido Comunista Português, sobre as Colónias Portuguesas, e o Direito dos seus Povos à Completa Independência, foi o documento que menos discussão suscitou, creio mesmo que ele veio a ser aprovado por unanimidade.
Quanto aos Estatutos, a discussão feita em volta do Projecto foi, assim o creio, relativamente branda, no respeitante ao conjunto do seu articulado, ainda que em relação a alguns dos seus artigos a discussão tenha sido bastante viva, a dificuldade é recordar quais foram esses artigos.
O Projecto de Programa do Partido foi largamente discutido. Embora não fosse um documento com grandes desenvolvimentos nas suas matérias, nele se abordavam aspectos bastante controversos como se verá mais adiante; todavia também se levantavam aspectos positivos em defesa de reivindicações dos trabalhadores, como, o «Estabelecimento de um salário mínimo vital para os trabalhadores», «O cumprimento efectivo da jornada de 8 horas e o estabelecimento da semana de 44 horas», «Férias anuais pagas pelo menos de 15 dias para todos os trabalhadores», etc.
Contudo, desde logo ficava também claro que a ilusão de derrubar o fascismo pela via pacífica acabou por ser aprovada e expressa no Programa do Partido ao afirmar-se que «O Partido Comunista Português considera que na actualidade é possível solucionar o problema político português sem necessidade de luta armada». No mesmo sentido aparecia logo no titulo do IV capitulo ao afirmar-se «É Possível Uma solução Pacifica para o Problema Político Português», ainda que neste mesmo capitulo se reconhecesse mais adiante, que «o derrubamento de Salazar, por meios pacíficos não era um caminho fácil». Outras citações podiam ser reveladas, mas creio que estas bastam para confirmar que o V Congresso, através do Programa e não só, não conseguiu corrigir o desvio de direita em que o Partido estava mergulhado desde 1956, como acabou por o reforçar este desvio.
Quanto ao Relatório Central, apresentado e aprovado pelo Congresso, ele navegava nas mesmas águas, pois também nele se considerava como viável o caminho da via pacífica para derrubar o fascismo. Também na discussão para a aprovação do Relatório, tal como havia acontecido em relação ao Programa, foram vários os camaradas que intervieram na discussão, discordando e combatendo as posições oportunistas no Partido que, como atrás se disse, vinham desde 1956. Como este objectivo não foi alcançado, ele continuou por bastante tempo. Por isso mesmo, ainda na reunião do CC em Agosto de 1958, voltou a confirmar-se a via pacifica como solução possível para derrubar o fascismo e, para que não restassem dúvidas quanto à correcção desta linha, exemplificava-se, não sei porquê, com as revoluções da Venezuela e Iraque. Porém sempre me ficou a dúvida se terão sido mesmo pacificas as ditas revoluções?
Seja como for, e apesar de tudo, considero que também o V Congresso do Partido foi uma importante realização. Foi com muita alegria e talvez até com algum orgulho que participei nos seus trabalhos e por isso mesmo desde o V Congresso até ao XV nunca faltei a nenhum.



«Avante!» Nº 1374 - 30.Março.2000