Jaime
Serra:
Como foi
o V Congresso do PCP
O V Congresso realizou-se
em princípios de Setembro de 1957 em condições de
rigorosa clandestinidade, numa ampla vivenda, a «Casa
dos Quatro Cedros», situada na Rua do Campo Santo,
Galiza, Estoril, alugada para o efeito durante um mês, a
qual ainda hoje existe.
A casa foi alugada por um casal de membros do Partido,
que tinha então a sua actividade e vida familiar
normais, acima de qualquer suspeita. Não obstante, por
razões de segurança, durante a realização dessa
tarefa, deixaram de ter contactos com os seus familiares,
sob qualquer pretexto, que não recordo agora.
O congresso durou três dias e nele participaram cerca de
cinquenta congressistas, vindos de todas as
organizações do Partido. Por razões de segurança,
começaram a ser transportados e a entrar na casa, aos
grupos, dois dias antes do início do Congresso. Foram
conduzidos com os olhos vendados, em carros alugados.
Como a vivenda tinha uma garagem privativa na cave, por
debaixo do sala do rés-do-chão, os carros entravam ali
directamente com os camaradas congressistas. Abriu-se no
soalho da dita sala uma passagem, uma espécie de
alçapão, por onde entraram (e saíram posteriormente)
todos os congressistas. Depois do Congresso essa passagem
foi de novo fechada.
Quando das entradas, numa das viagens, na zona de
Algueirão-Mem Martins, apareceu na estrada a Polícia de
Trânsito numa operação «stop» ,vulgar nessa época.
Os camaradas tinham a indicação de que, havendo um
determinado sinal, tiravam os óculos (levavam óculos
escuros, pintados ). Felizmente tudo correu bem. Foi
apenas um susto.
Todas as questões logísticas, que iam das condições
de alojamento, passando pela aquisição e conservação
dos alimentos necessários para meia centena de pessoas
durante cinco dias, até aos cuidados de saúde para
prevenir casos que eventualmente poderiam surgir, tudo
foi tratado com a devida antecedência.
No plano das decisões políticas, o que marcou a
importância do V Congresso, foi, fundamentalmente, a
aprovação duma resolução sobre o problema das
colónias, intitulada Declaração do V Congresso do
Partido Comunista Português sobre o Problema das
Colónias.
Deve recordar-se que estavam nessa época em Portugal,
centenas, senão milhares, de jovens estudantes vindos
das colónias portuguesas, pagos pelas «missões
religiosas». Muitos deles estavam organizados no MUD
Juvenil, em cujas lutas participavam. Foram envolvidos na
onda das lutas estudantis em 1955 e 1956, como foi o
caso, por exemplo, de Agostinho Neto, várias vezes preso
pela PIDE, que viria a ser o primeiro Presidente da
República Popular de Angola. Isto contribuiu muito para
a politização desses jovens.
A necessidade e urgência duma posição clara por parte
do Partido em relação ao problema colonial resultava,
também desta situação.
Quatro anos depois do V Congresso do PCP, começava a
luta armada dos povos das colónias portuguesas pela
libertação
Nessa Declaração, depois duma análise
aprofundada sobre a questão, diz-se:
«O V Congresso do Partido Comunista Português proclama
o reconhecimento incondicional do direito dos povos das
colónias de África dominadas por Portugal à imediata e
completa independência.
«Ao definir o problema nestes termos, o V congresso
está certo de que tal facto abrirá imediatamente
enormes perspectivas ao desenvolvimento do movimento
libertador dos povos coloniais que estão sob o jugo do
colonialismo português.»
E a terminar:
«O V Congresso considera que a ajuda que o Partido e o
povo português prestarem ao movimento libertador dos
povos coloniais, traduzir-se-á objectivamente numa ajuda
à luta da classe operária e ao povo de Portugal pela
sua própria libertação, dado que um regime de
opressão como o de Salazar não poderá sobreviver à
libertação dos povos coloniais.
«A causa dos povos das colónias identifica-se com a
nossa própria causa.
«Não pode ser livre um povo que oprime outros povos!»
|
Joaquim
Gomes:
Quatro documentos
fundamentais
O V Congresso, como todos
os que foram realizados nas condições de
clandestinidade, independentemente dos documentos neles
aprovados, constituíram vitórias importantes do
Partido, quer no terreno da organização, quer na sua
capacidade de luta pela liberdade e contra a tirania
fascista. Contudo, embora em alguns documentos
apresentados para a discussão no Congresso fosse
manifestada a intenção de corrigir o desvio de direita
que vinha desde a reunião do CC de Maio de 1956, na qual
foi considerado como possível derrubar o regime fascista
de Salazar pela via pacifica, apesar de tal intenção,
tudo ficou na mesma, não obstante no próprio Congresso
se terem levantado vozes discordantes com a via
pacífica.
Foram quatro os documentos fundamentais aprovados no
Congresso, A Declaração do Partido Comunista
Português sobre as Colónias Portuguesas; os Estatutos
e o Programa do Partido e, naturalmente, o Relatório
Central apresentado ao Congresso. Como atrás foi
referido, o Desvio de Direita, em vez de corrigido, de
certo modo saiu do Congresso reforçado. Na realidade,
só em 1961, com o aparecimento do folheto do Comité
Central, «O Desvio de Direita no Partido Comunista
Português nos anos de 1956-1959», cuja autoria, toda a
gente sabe, foi do camarada Álvaro Cunhal. Só a partir
deste folheto se ficou a conhecer a dimensão dos erros e
das ilusões oportunistas que se desenvolveram no Partido
em volta deste desvio.
A esta distância torna-se praticamente impossível
recordar como decorreu no Congresso a discussão e a
aprovação de cada um dos documentos apresentados. O que
ainda me resta na memória é bastante pouco. No entanto,
recordo que a Declaração do V Congresso do Partido
Comunista Português, sobre as Colónias Portuguesas, e o
Direito dos seus Povos à Completa Independência, foi
o documento que menos discussão suscitou, creio mesmo
que ele veio a ser aprovado por unanimidade.
Quanto aos Estatutos, a discussão feita em volta
do Projecto foi, assim o creio, relativamente
branda, no respeitante ao conjunto do seu articulado,
ainda que em relação a alguns dos seus artigos a
discussão tenha sido bastante viva, a dificuldade é
recordar quais foram esses artigos.
O Projecto de Programa do Partido foi largamente
discutido. Embora não fosse um documento com grandes
desenvolvimentos nas suas matérias, nele se abordavam
aspectos bastante controversos como se verá mais
adiante; todavia também se levantavam aspectos positivos
em defesa de reivindicações dos trabalhadores, como, o «Estabelecimento
de um salário mínimo vital para os trabalhadores»,
«O cumprimento efectivo da jornada de 8 horas e o
estabelecimento da semana de 44 horas», «Férias anuais
pagas pelo menos de 15 dias para todos os trabalhadores»,
etc.
Contudo, desde logo ficava também claro que a ilusão de
derrubar o fascismo pela via pacífica acabou por ser
aprovada e expressa no Programa do Partido ao afirmar-se
que «O Partido Comunista Português considera que na
actualidade é possível solucionar o problema político
português sem necessidade de luta armada». No mesmo
sentido aparecia logo no titulo do IV capitulo ao
afirmar-se «É Possível Uma solução Pacifica para o
Problema Político Português», ainda que neste mesmo
capitulo se reconhecesse mais adiante, que «o
derrubamento de Salazar, por meios pacíficos não era um
caminho fácil». Outras citações podiam ser reveladas,
mas creio que estas bastam para confirmar que o V
Congresso, através do Programa e não só, não
conseguiu corrigir o desvio de direita em que o Partido
estava mergulhado desde 1956, como acabou por o reforçar
este desvio.
Quanto ao Relatório Central, apresentado e
aprovado pelo Congresso, ele navegava nas mesmas águas,
pois também nele se considerava como viável o caminho
da via pacífica para derrubar o fascismo. Também na
discussão para a aprovação do Relatório, tal como
havia acontecido em relação ao Programa, foram vários
os camaradas que intervieram na discussão, discordando e
combatendo as posições oportunistas no Partido que,
como atrás se disse, vinham desde 1956. Como este
objectivo não foi alcançado, ele continuou por bastante
tempo. Por isso mesmo, ainda na reunião do CC em Agosto
de 1958, voltou a confirmar-se a via pacifica como
solução possível para derrubar o fascismo e, para que
não restassem dúvidas quanto à correcção desta
linha, exemplificava-se, não sei porquê, com as
revoluções da Venezuela e Iraque. Porém sempre me
ficou a dúvida se terão sido mesmo pacificas as ditas
revoluções?
Seja como for, e apesar de tudo, considero que também o
V Congresso do Partido foi uma importante realização.
Foi com muita alegria e talvez até com algum orgulho que
participei nos seus trabalhos e por isso mesmo desde o V
Congresso até ao XV nunca faltei a nenhum.
|