Pelo desmantelamento dos arsenais nucleares

Por João Amaral


Três anos e meio após a aprovação do Tratado de Proibição de Ensaios Nucleares pela Assembleia Geral das Nações Unidas (através da Resolução nº 50/245, de 9 de Setembro de 1996), o Governo decidiu-se finalmente apresentá-lo à Assembleia da República, para que esta o debata e o aprove para ratificação pelo Presidente da República. Foi o que ocorreu no passado dia 23 de Março.
O Governo conseguiu assim que Portugal fosse o último dos países da União Europeia a proceder à ratificação desse Tratado Multilateral. De facto, entre 2 de Fevereiro de 1998, quando a Suécia o ratificou, até 20 de Agosto de 1999, data em que o fez a Alemanha, todos os países da UE tiveram tempo para a ratificação. Aqui, só Portugal se atrasou.
O Tratado é geralmente assinalado como um passo positivo, saudado e apoiado pela comunidade internacional e pelos numerosos e activos movimentos que pôem o acento tónico da sua actividade nas questões da paz. Por isso, a assinatura e ratificação do Tratado pelos Estados deve ser positivamente assinalada.
Mas, se se examinar com atenção toda a problemática do uso da arma nuclear, e se se fizer a contabilidade rigorosa de qual é o estado efectivo de vigência deste Tratado, então dificilmente se pode sustentar uma visão optimista do problema. Estamos longe, muito longe da segurança mundial no que toca à existência e uso da arma nuclear.


Ratificar o Tratado


Veja-se a situação do Tratado. Do total de 193 Estados, já o assinaram 155, mas só concluíram o processo de ratificação o número relativamente reduzido de 55 Estados. Mas, pior é o que se passa com a sua entrada em vigor. De facto, ela depende da sua ratificação por um elenco de 44 Estados, definido no anexo 2 do texto do Tratado. Ora desses 44 Estados, só 28 é que já concluíram o processo de ratificação. E três deles, nem sequer o assinaram ainda.
Sabe-se que a assinatura representa a formalização da vontade do Estado respectivo em proceder aos actos internos necessários à vinculação ao Tratado, expressa no acto de ratificação. A não assinatura significa assim que esses três Estados, que fazem parte da lista dos 44 Estados necessários para a entrada em vigor do Tratado, ainda nem sequer manifestaram a vontade política de aderirem ao Tratado.
A situação piora ainda quando se examina o nome dos Estados envolvidos. Se virmos a lista das potências nucleares, sejam as reconhecidos como tal ou aquelas sobre as quais há fundadas suspeitas de o serem, constata-se que o Tratado não foi ratificado pela maior potência nuclear, os Estados Unidos, onde o processo de ratificação foi discutido, não tendo obtido no Senado o apoio necessário para a entrada em vigor. Assim, o país de mais alta capacidade de investigação e com o maior arsenal nuclear, continua a não aceitar a proibição de ensaios nucleares, legitimando desta forma a alegada necessidade de outros países continuarem as pesquisas e os ensaios. Também não ratificaram o Tratado a Federação Russa, a China, Israel e a Ucrânia. Os três países que nem sequer assinaram o Tratado são a Índia, o Paquistão e a Coreia do Norte. Ora, a Índia e o Paquistão são potências nucleares assumidas, que ainda há escassos meses realizaram ensaios. Resumindo: das potências nucleares reconhecidas, só a França e o Reino Unido assinaram o Tratado, sendo que a França realizou ensaios no Pacífico até há bem pouco tempo.


Ameaça mantém-se


É caso para dizer que são mais as palavras que os actos. Mas, admitamos que estas enormes dificuldades são removidas e que o Tratado entra em vigor, com a ratificação de todos os países acima referidos. Sem dúvida que o Mundo se pode e deve congratular. Mas, será este o passo efectivamente necessário e determinante?
O Tratado proíbe novos ensaios nucleares. Mas não desmantela os arsenais existentes, nem o desequilíbrio armamentista que eles provocam. Na prática, a ameaça nuclear sofre um limite, mas mantém toda a sua força. Acresce que os países que realizaram testes há muitos anos, como os Estados Unidos, adquiriram informação e capacidade para realizarem os testes em simulação, isto é, podem continuar a progredir na arma nuclear, facto que está vedado aos candidatos e recém-membros do clube nuclear.
Quando os Estados Unidos retomam o programa da chamada guerra das estrelas (embora de forma mais limitada); quando a Europa discute a elevação da despesa militar e a construção de um Exército Europeu; quando a NATO, no conceito estratégico aprovado o ano passado, mantém a possibilidade de uso da arma nuclear incluindo por sua iniciativa, bem se pode dizer que este Tratado fica muito aquém do que é preciso, e que é o efectivo desmantelamento dos arsenais nucleares e o fim da corrida armamentista!


«Avante!» Nº 1374 - 30.Março.2000