Para o bem da pátria
Por Zillah Branco
Em véspera de eleições a direita veste-se demagogicamente de protectora dos pobres. Num gesto largo, os partidos mais reaccionários propuseram o aumento do salário mínimo para o equivalente a cem dólares (mais ou menos 20 000 escudos). Consideraram que este gesto nobre elevaria a grande massa a uma situação de dignidade compatível com a do Brasil.
Esta foi a
avaliação do Presidente do Senado, figura serena de Imperador,
pelo menos da direita nacional. Não sei bem se a dignidade que a
elite hoje empresta ao país chega a cem dólares. Talvez, com a
habitual moeda podre que circula livremente entre bandidos
oficiais e privados. Também não sei a cotação que atribuem à
dignidade, nem em que bolsa é lançada. Como qualquer cidadão
brasileiro, sou alheia aos valores financeiros que ditam a
velocidade do crescimento e queda das economias. Procuramos andar
por baixo dessa onda, com os pés bem presos à realidade. De
olhos postos no mínimo.
Mas os governantes, com ar pesaroso, comunicaram que cada 5 reais
de aumento no salário mínimo seria uma facada de mil milhões
no orçamento. Como auto flageladores começaram a fazer
cálculos em público demonstrando como o património nacional
seria solapado com o aumento: o salário mínimo hoje é de 130
reais (menos de 75 dólares, cerca de 15 contos), se passar a 150
consome quatro mil milhões, se chegar a 160 serão 6 mil
milhões, mas se atingir os 180, que equivalem aos 100 dólares,
então será o descalabro, 8 mil milhões de reais de prejuízo!
Claro, para os cérebros financeiros, o desaparecimento do
dinheiro é infinitamente mais importante que o sacrifício do
povo.
O brasileiro patriota fica condoído com o prejuízo nacional
causado pela maioria da população que até já se acostumou a
viver com pouco mais que nada. Generosamente tira do bolso
os 5 reais que vão se transformar em mil milhões para cobrir os
rombos do orçamento. Os empresários dão-lhe pancadinhas nas
costas mostrando admiração. «Temos de pensar na economia
nacional antes de, egoisticamente, pedirmos aumentos salariais.»
Os economistas desandam a fazer cálculos sobre os possíveis
investimentos, as taxas de juros, os impostos, o samba das bolsas
de valores. Uma verdadeira euforia patriótica às custas dos
pobres, dos desvalidos, dos desnutridos, dos que para não
morrerem de fome assaltam pessoas e casas.
Este actual Governo é muito esperto! Brilhante, dizem alguns!
Decidiu estabelecer o mínimo dos mínimos (150 reais, cerca de
80 dólares) como salário nacional e deixar a cada governador
(de partidos opositores) o direito de elevar no seu estado como
quiser e puder. Estou «vendo» aquela risadinha contida do
«génio» que conseguiu dar uma rasteira nos partidos de direita
e nos da oposição que ainda acham pouco os 100 dólares, ao
mesmo tempo que na população brasileira mais carente. Uma
graça, realmente. Cá entre nós, a direita, mais uma vez,
ajudou o Governo a parecer de centro-democrático e, ao
mesmo tempo, lesar a população com a mão do gato.
A media compara só o que interessa
O que pareceria
anti-patriótico no momento, seria perguntar quantos mil milhões
vão custar os aumentos aprovados no Congresso Nacional para a
casta do judiciário e dos altos escalões do funcionalismo
público, para os quais foram estabelecidos dois tectos
salariais, um duplex, de 11.500 e 12.700 reais (6.400 e 7.550
dólares, ou 1.280 e 1.510 contos). Esses cálculos não são
feitos em público, a imprensa não se lembra de perguntar ao
Ministro da Fazenda ou às autoridades do Banco Central, e os
economistas não consideram importante para aquela confusão
mental que cozinham misturando bolsa com patriotismo.
O noticiário ocupa 90% do tempo nos telejornais brasileiros
todos os dias com os valores dos passes dos jogadores de
futebol em centenas de milhões de reais, os salários mensais da
elite em centenas de milhares, a magnitude da corrupção de
destacados expoentes da política brasileira em milhões e
bilhões, o chamado credi-crime (pagamentos exigidos por
policiais aos chefes de redes criminosas) pagos em espécie como
apartamentos de luxo ou carros importados além de quotas mensais
da ordem de 50 mil reais. Se alguém se der ao trabalho de somar
todo esse rio de dinheiro que esvazia os cofres públicos todos
os meses, vai chegar à conclusão de que, se os governantes se
preocupassem mais em administrar o país em benefício da
população e menos com as rasteiras espertas nos colegas,
daria perfeitamente para elevar o salário mínimo à altura da
dignidade, aí sim, da dignidade de um Brasil que se governa.