A nova economia

Por Agostinho Lopes
Membro da Comissão Política



A Cimeira Europeia sobre o «Emprego, Reformas Económicas e Coesão Social» constituiu uma nova e poderosa mistificação.


Sob a capa de resposta aos problemas do emprego e da coesão social, o que mais uma vez avançou foram as «reformas económicas» para o prosseguimento da liberalização económica e afirmação das principais teses do capitalismo neoliberal. Os títulos e comentários da comunicação social são explícitos e elucidativos. «Lisboa avança no caminho de uma economia europeia mais liberal», «A abordagem neoliberal que defende que crescimento e emprego são consequências de um ambiente empresarial mais competitivo, ganhou a dianteira nesta Cimeira. Para já, o vencedor deste encontro é Tony Blair, que vê as suas propostas serem acolhidas pelos Quinze» (Diário Económico, 24 de Março de 2000).


Trabalhos preparatórios

Em Sintra, num seminário sobre a «nova economia», de preparação da Cimeira, um «Guru» da sociedade de informação forneceu à Europa as receitas «para tirar partido dos factores de competitividade que são próprios da Nova Economia»: «A flexibilidade, o funcionamento em rede, a mobilidade do capital, a individualização e a mobilidade do trabalho (...)». Para isso a Europa terá que liquidar as suas instituições («inadequadas», «próprias das sociedades industriais»). Entre elas (poderia lá deixar de ser!) «O Welfare state» que será mais preciso do que nunca, mas terá de assentar noutro modelo, «baseado em direitos dos cidadãos (e não dos trabalhadores), com uma geometria variável e uma cobertura adaptada às necessidades do utilizador».
«A presença de responsáveis do mundo empresarial europeu e norte-americano (...) permitiu olhar a mesma realidade europeia de um ponto de vista mais pragmático». «Belmiro de Azevedo insistiu nas situações flexíveis, criticando medidas como as 35 horas em França como penalizadora da capacidade competitiva da economia europeia, ou a ineficiência do sector público, mantido à margem do mundo das novas tecnologias».
O primeiro-ministro português, que encerrou o dito seminário sobre a «nova economia», avançou duas respostas: 1) «É necessário encarar de um modo diferente a relação entre a flexibilidade do mercado de trabalho exigida pela economia e a preservação da segurança dos indivíduos» - na continuidade das teses do guru, a necessidade de ultrapassar a «"forma estática" de encarar o modelo social europeu»; 2) «A Europa tem de aplicar processos de coordenação mais eficazes das suas políticas (...)». E enquanto António Guterres vai perorando sobre a coordenação das políticas, o Banco Central Europeu vai decidindo à margem de qualquer avaliação política e decisões de governos e órgãos da União Europeia, mas certamente conforme os interesses dos mercados financeiros a subida da taxa de juro...


Resultados da Cimeira

A retórica dos documentos da Cimeira tem o objectivo de criar uma dupla ilusão. A de que os governos dos países da União Europeia estão de facto preocupados com o desemprego e a exclusão social. A de alimentar a ilusão tecnocrática de que o desenvolvimento e aplicação das novas tecnologias de informação contribuirão para reduzir o desemprego, como se não fosse da experiência histórica que as revoluções tecnológicas no quadro do capitalismo fazem crescer o desemprego... Mas fundamentalmente a retórica procura justificar o prosseguimento das políticas responsáveis pelos problemas que diz querer resolver.
É assim necessário afastar a retórica que embrulha as decisões de fundo e as consequências dessas opções. Duas linhas de força centrais sobressaem nas conclusões da Cimeira.
Um novo impulso à «liberalização do mercado».
«A plena integração e liberalização dos mercados das telecomunicações»; «uma estratégia para a supressão dos obstáculos aos serviços»; acelerar «a liberalização em áreas tais como o gás, a electricidade, os serviços postais e os transportes»; «identicamente, no que se refere à utilização e gestão do espaço aéreo»; «simplificar o ambiente regulamentar, incluindo o desempenho da administração pública»; medidas diversas de liberalização para «mercados financeiros eficientes e integrados».
«Modernizar o modelo social
através do investimento nas pessoas e na construção de um Estado-Providência activo e dinâmico». Esta questão teve direito apenas a cinco linhas no texto oficial de Conclusões, e o seu conteúdo é explicitado pela negativa: «para assegurar que a emergência desta nova economia não venha agravar os problemas sociais existentes em matéria de desemprego, exclusão social e pobreza»! No entanto, as abordagens preparatórias como a que referimos atrás, não deixam lugar a dúvidas: trata-se de «modernizar» o mercado (da força) de trabalho e os sistemas de segurança social. O documento do CES preparatório da Cimeira escreve: «Adaptar o modelo social» «a fim de remover os obstáculos ao emprego»! Que significado tem, no capítulo «Mercados financeiros eficientes e integrados» das Conclusões, a eliminação dos «obstáculos ao investimento nos fundos de pensões» senão a reafirmação da linha de ataque principal ao actual sistema de Segurança Social?
A modernização do «modelo social» significa, para António Guterres e os seus pares, um mercado (da força) de trabalho sem condicionamentos impostos por uma legislação protectora dos direitos dos trabalhadores, uma segurança social à inteira disposição dos mercados financeiros. Significa, à semelhança do modelo social padrão, o dos Estados Unidos da América, mão-de-obra barata e movível, flexível, isto é, precária, qualificada tanto quanto necessário, disponível e dispensável conforme os interesses do capital, sem direitos, sem uma protecção social eficaz, sem força reivindicativa.
É assim natural que uma Cimeira virada para a criação de «mais e melhores empregos na Europa» (António Guterres, a 13 de Março no Parlamento Europeu) tenha como principais conclusões orientações económicas e políticas que, inevitavelmente, acabarão por se traduzir em mais desemprego e pior emprego. Em particular no contexto de uma economia débil, dependente e periférica, como é a portuguesa.
Afinal a Nova Economia é a velha economia da intensificação da exploração capitalista nas condições da «enorme mutação resultante da globalização», que o capital impulsiona e dirige.
Talvez por isso, no fim da Cimeira, o grande patronato português estivesse tão satisfeito. Talvez por isso os trabalhadores portugueses se exprimiram de forma tão veemente na grande manifestação de 23 de Março!


«Avante!» Nº 1374 - 30.Março.2000