Media, jornalismo e democracia
Por Fernando Correia
Todos nos lembramos das previsões dos que,
com base na proclamada diversificação dos emissores e da
produção de conteúdos, apontavam - e, conforme se verificou
nos debates realizados recentemente na Gulbenkian, no âmbito do
seminário internacional «Media, Jornalismo e Democracia»,
continuam a apontar, tentando tapar o sol com uma peneira - a
multiplicação dos canais de televisão e a internet como o
grande e histórico passo no sentido da abertura de novas
possibilidades de escolha, da capacidade de cada um
transformar-se ele próprio em emissor e da afirmação da
independência dos indivíduos perante os poderes económicos e
políticos dominantes, com o consequente aumento do pluralismo e
enriquecimento da democracia.
Ao que se assiste, porém, é, por um lado, à crescente tomada
de posições de antigos e também de novos grupos económicos,
até agora alheios aos media, nesta nova área de negócios
(porque é disto, claramente, que se trata, ainda que não sem
repercussões de outro tipo), em que aos media tradicionais se
juntam o multimédia, a internet, o comércio electrónico (como
é o caso da Cofina).
Por outro lado, assiste-se ao alargamento dos grandes grupos dos
media tradicionais imprensa, rádio e televisão
aos media emergentes, criados pelas novas tecnologias, e aos
novos negócios proporcionados às empresas de comunicação, numa
lógica de expansão multimedia e comercial que prolonga e
reproduz as mesmas relações de propriedade e de dominação
(económica, política, cultural, ideológica). Vejamos
alguns exemplos.
A SIC (que o ano passado deu um lucro de quase qutro
milhões de contos...) vai, em colaboração com a TV Cabo, criar
três canais temáticos: o primeiro, com base no CNL, dedicado à
informação; outro, intitulado SIC Gold, consagrado à
repetição de programas que foram êxito na estação-mãe
êxitos, naturalmente, segundo os critérios da casa, isto
é, com base nas audiências sendo fácil de prever que
tipo de coisas irão ser transmitidas; o terceiro, intitulado SIC
Radical, vai direccionar-se aos jovens dos oito aos trinta anos,
oferecendo-lhes, por exemplo, música, desportos radicais e
vídeos feitos pelos telespectadores, pretendendo afirmar-se como
um «canal de culto» (não confundir com «cultural»).
A Media Capital (proprietária da TVI), atenta ao
fenómeno de passagem de diversos clubes de futebol a sociedades
anónimas desportivas, está em negociações com diversos deles
para a compra de acções, com as previsíveis consequências no
plano das transmissões televisivas.
O mesmo grupo, segundo O Independente, «quer avançar
para a constituição de um consórcio internacional de grupos de
comunicação que domine o sistema de televisão digital
terrestre (DVB-T) como único operador, no qual a TVI terá um
papel preponderante», pretendendo esta estação possuir «entre
20 a 25 canais quando arrancarem as televisões digitais, para
atraír assinantes».
No que se refere à internet, este mesmo grupo anunciou a
criação, para breve, de um jornal desportivo exclusivamente on
line, o primeiro do género no nosso país. Entretanto, o Diário
Digital, o único jornal generalista on line até
agora existente entre nós, foi comprado pelo grupo Mello. E a TV
Cabo promete disponibilizar aos seu assinantes, até ao fim
do ano, o acesso directo à internet..
O Público vai deixar a Sonae Participações
Financeiras e passar a fazer parte da Sonae.com, a holding
que encima o sector de telecomunicações no qual se incluem a
Novis e a Optimus, a fim de beneficiar das chamadas sinergias de
grupo no plano do multimedia e da produção de conteúdos.
A Lusomundo, finalmente, formou uma empresa especializada
na intervenção na internet, tendo anunciado a criação,
durante este ano, de sete sites que, para além dos
relativos aos principais diários do grupo, incluem um
exclusivamente dedicado à informação, operacionalizado em
colaboração com a TSF; outro ao domínio editorial (catálogo e
encomenda de livros), em colaboração com a Editorial Notícias,
pertencente ao grupo; e ainda um outro dedicado ao cinema e ao
vídeo (recorde-se a posição dominante da Lusomundo na
distribuição e exibição de filmes).
As tendências e orientações do «mercado» parecem evidentes.
Como evidente se revela a continuidade e mesmo o aprofundamento e
alargamento das anteriores relações de domínio. No meio de
toda esta movimentação, onde estão as novas vantagens, não
para o consumidor, mas para o cidadão? Qual o lugar da informação
e do jornalismo, no antigo e nobre sentido dessas
palavras? E qual o futuro da democracia?
Mais do que nunca existem razões para que toda esta
problemática seja colocada no centro do debate político e
ideológico por parte de todos quantos acreditam que a
transformação da sociedade onde a comunicação e a
informação, para o bem e para o mal, ocupam hoje um lugar
central continua a ser um objectivo pelo qual vale a pena
e é necessário lutar.