O baile dos primatas
A intervenção de Rosado Fernandes no
congresso do CDS/PP e, sobretudo, o júbilo que desencadeou nos
seus confrades «democrata-cristãos» constituem o mais
inesperado auto-retrato jamais produzido por um partido político
no Portugal democrático.
«Muitos dos problemas que vivemos hoje foram criados por esses
primatas fardados!», vociferou o civil Rosado contra
os militares de Abril, na inferência de que «primata» é um
insulto e impondo-nos a conclusão de que Rosado nem primata
julga ser, o que o coloca no reino indiferenciado das criaturas.
Primárias e à civil, evidentemente.
Perante um congresso esbandalhado de gozo a criatura prosseguiu,
agora confessando que «quando passava pelas terras que
eram minhas e que foram ocupadas, era como se tivesse uma mulher
que tivesse sido violada por um regimento inteiro!»,
transtornando-o de tal forma que, mesmo depois de ter recebido de
volta a «mulher violada», «já não era a mesma
coisa».
Todo o congresso, mulheres incluídas, acharam de uma fina ironia
aquela perspectiva violadora da Reforma Agrária, prelibando o
prato seguinte: «Tenho quotas para o tomate, tenho
quotas para as ovelhas, mas não me dêem quotas para as
mulheres, que eu gosto muito delas!». Aí, foi o
delírio. Pedro Feist, que disciplinaria os congressistas
opositores ao ponto de lhes fechar o congresso na cara, riu à
bonomia despregada, Basílio Horta, que ambiciona ser o mais alto
Magistrado da Nação, desceu à gargalhada convulsa e até Paulo
Portas se transformou num surpreendente marialva, ao classificar
o discurso de «brilhantíssimo».
Rosado Fernandes, está bem de ver, não merece mais conversa.
Uma criatura que recenseia a virilidade na apropriação sexual
de terras e mulheres e reclama para a sua condição de
proprietário a moral do «direito de pernada» não passa, hoje,
de um penoso equívoco da espécie, por muito que isso custe,
não ao Rosado, mas aos primatas em geral.
O que carece de algumas considerações é a reacção do
congresso ao discurso de Rosado.
Paulo Portas e seus confrades, que ainda recentemente tentaram
identificar a honra da família Soares com a dignidade do Estado
democrático, rebolaram-se de público gozo com a injúria aos
homens que abriram as portas desse mesmo Estado democrático
os militares de Abril.
Paulo Portas e seus confrades mulheres incluídas -, que
tantos valores cristãos reivindicam para o seu ideário,
aplaudiram em delírio os mais alarves insultos à dignidade
humana em geral e das mulheres, em particular.
Paulo Portas e seus confrades, que afirmam ter «uma ideia para
Portugal», resumiram-na no escrutínio prazenteiro com que
acolheram asserções de recorte grosseiramente fascista.
Paulo Portas e seus confrades, que vestem na rua a farda de
democratas, despiram-na em congresso e mostraram-se como são.
Um bando de primatas à procura de galho. Henrique
Custódio