União Europeia
vs. trabalhadores



«Todos os patrões europeus vêm com bons olhos as conclusões da Cimeira de Lisboa» – foi com estas palavras que um comentador da nossa televisão se referiu à reunião do Conselho Europeu sobre o Emprego.
Com efeito, o «objectivo estratégico do pleno emprego» nele anunciado, baseado na «nova economia» e na «modernização do mercado de trabalho», será inevitavelmente acompanhado de maior desregulamentação e precaridade, da desvalorização dos salários e sem que, entretanto, se tenha definido uma «base mínima sobre os direitos sociais dos trabalhadores», facto que «surpreendeu»
(Público de 25.3.00) o próprio primeiro-ministro conservador do Luxemburgo.


Apesar da enorme campanha propagandística em torno da Cimeira, e da euforia de António Guterres, não é possível esconder diferenças e contradições neste processo de «construção europeia». Elas resultam não tanto de aspectos de conteúdo mas, sobretudo, dos ritmos de implementação das principais orientações. Às tendências ultraliberais de Blair contrapôs Jospin, pressionado pela crescente contestação social em França, uma «liberalização ordenada». Assim, muito do que se anunciava de positivo foi posto de parte e aquilo que se aprovou, relativamente ao emprego, não passa de meras intenções de declarações, vagas orientações, como «a aprendizagem ao longo da vida», «levantamentos», «estudos prospectivos», etc.. A Cimeira, priorizando «a economia baseada no conhecimento» e a «sociedade da informação», elegeu a «competitividade» e a «inovação» como indispensáveis ao «crescimento» (que quantificou) – essencialmente para competir com a economia norte-americana, marginalizando nesta opção aqueles que trabalham. Aliás, estas orientações contrariam o que fora apontado como um dos principais objectivos da Cimeira - a «elevação da taxa de emprego» - consagrando o «modelo económico norte-americano», assente na flexibilidade e na fragilidade da segurança social, em detrimento do «modelo social europeu».
Tais decisões correspondem aos interesses do grande capital, cuja concentração e centralização se faz à custa do desmantelamento de conquistas e direitos alcançados por várias gerações de trabalhadores, impondo-lhes pesadíssimos sacrifícios, atirando-os para a pobreza e a marginalização social. Com elas, e sobretudo pela forma como foram assumidas neste Conselho Europeu, concretizou-se um novo avanço federalista a que Guterres chamou «a revolução na U.E.». A Cimeira de Lisboa entronizou «o primado da política sobre a economia», dando um novo passo para a concretização do «governo europeu». Provavelmente, esta reunião passará a ser mais recordada como o Conselho muito mais preocupado com o avanço para a União Política, do que com a solução do gravíssimo problema do desemprego.
Mas ficará também assinalada pela poderosa resposta de massas às duríssimas condições de vida que estes governos impõem aos respectivos povos. Na manifestação da CGTP, os trabalhadores portugueses, reclamando «emprego sim, desemprego não» , «contra a precaridade, emprego de qualidade», trouxeram para a rua a luta quotidiana que desenvolvem nos seus locais de trabalho. Tratou-se duma magnífica expressão da sua consciência de classe, da sua força e do papel primordial que desempenham para uma alternativa à Europa do grande capital, que avança também como bloco político-militar. Assume relevante significado político a participação de 12 partidos comunistas e da esquerda europeia que, nesse mesmo dia, com o PCP se reuniram num Encontro/Fórum sobre «Coesão social/Emprego com direitos», na base da exigência comum dum novo rumo para a Europa. Encontro que afirmou a solidariedade internacionalista, como valor inestimável da luta de classes, e a convicção que a par da luta em cada país é necessária a cooperação e solidariedade das forças de esquerda para contrapor à U.E. a Europa dos trabalhadores, de paz e de progresso social. — Manuela Bernardino


«Avante!» Nº 1374 - 30.Março.2000