A Cimeira de Lisboa

Por Ilda Figueiredo



Se dúvidas houvesse sobre as pretensões do Conselho Europeu relativamente à Cimeira de Lisboa de 23 e 24 de Março, as suas conclusões, apresentadas com pompa e circunstância pelo eng. Guterres como uma vitória, revelam que a sua prioridade não era a criação de emprego com direitos e o combate à exclusão social, mas, sim, uma nova aceleração das privatizações para uma mais rápida desregulamentação dos principais sectores de actividade, de forma a facilitar a sua aquisição pelos grupos económicos internacionais.
Tendo como objectivo principal tornar a União Europeia, nos próximos dez anos, o espaço mais competitivo do mundo, e estando sempre subjacente a guerra económica com os EUA, as principais palavras de ordem das conclusões da Cimeira, como referiram vários jornais, são: flexibilizar, desregulamentar, liberalizar.
Assim, o que inicialmente apareceu como a cimeira do emprego, transformou-se na cimeira do liberalismo económico, insistindo na necessidade de reformas económicas e nos mercados de trabalho, inspiradas no modelo americano, avançando, desde já, com as liberalizações nos sectores básicos das telecomunicações para estarem prontas no final de 2001, e acelerando a liberalização dos mercados do gás, electricidade, água, serviços postais e transportes, o que só não ficou com data limite de 2004, como o eng. Guterres propunha, por oposição da França. Quanto aos serviços financeiros, a data para completar o plano já ficou inscrita: 2005.


Liberais satisfeitos

Daí que o Partido Liberal Europeu se tenha congratulado com a inspiração liberal da Cimeira de Lisboa, e a França tenha aparecido como o único país que se opôs a uma ainda maior aceleração do processo de privatizações que a Presidência Portuguesa pretendia para os grandes sectores de actividade, insistindo na necessidade de preservação do serviço público, sobretudo no que se refere à energia e aos transportes.
Mas a verdade é que a dupla Aznar/Blair com as palmas de Guterres e outros governantes dos partidos socialistas, deram os passos mais significativos que até hoje tinham sido possíveis no caminho do desmantelamento do que resta do dito «modelo social europeu», tentando abrir caminho à destruição das principais conquistas sociais dos trabalhadores nas últimas décadas. Em Junho, na Cimeira da Feira, tentarão mais uns passos. De qualquer modo, já combinaram que todos os anos, pela Primavera, será tempo de novos encontros para medir forças e ver que avanços podem dar no desmantelamento do que resta nos serviços públicos.


Mão cheia de nada

Quanto às preocupações sociais tão propagandeadas pelo governo português durante a preparação da Cimeira de Lisboa, foram, no essencial, adiadas para Nice, no final do ano, quando a presidência francesa terminar o seu mandato. Assim, das promessas que tinham sido feitas, restou, para os trabalhadores, uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.
Do emprego, ficou uma vaga referência a um objectivo de pleno emprego, sem qualquer compromisso, seja quanto à sua concretização temporal, seja, sobretudo, quanto à qualidade. Todos sabemos que falar de pleno emprego de biscates não é a mesma coisa que falar de pleno emprego de qualidade e com direitos.
Sobre o crescimento económico, ao compromisso inicialmente avançado, aconteceu o mesmo que ao emprego e às outras questões sociais, uma vaga referência a três por cento, o que, só por si, demonstra que a principal prioridade não é resolver o problema do desemprego, ou, sequer, reduzir a sua taxa para metade até 2010. Foi mesmo rejeitada a proposta inicial que avançava com estes valores.
Do que fica de positivo desta Cimeira de Lisboa é a grandiosa manifestação dos trabalhadores, promovida pela CGTP, e que juntou, em Lisboa, no dia 23 de Março, mais de 70 mil trabalhadores, na luta por melhores salários e um emprego de qualidade, com direitos. Esse é o caminho que há-de obrigar os governos da União Europeia a rever as suas estratégias que visam obter cada vez maiores lucros para os grupos económicos e multinacionais à custa do aumento das dificuldades dos pequenos e médios empresários e da exploração dos trabalhadores.


«Avante!» Nº 1374 - 30.Março.2000