Presidenciais controversas
Eleições no Peru
ao «ritmo do chinês»



Os peruanos vão às urnas no domingo, mas o processo eleitoral suscita fortes críticas dos observadores internacionais pela falta de transparência.


Em vésperas das mais controversas eleições presidenciais das últimas décadas no Peru, Alberto Fujimori, candidato a um terceiro e ilegal mandato, entrou definitivamente em rota de colisão com os observadores internacionais que se encontram no país e que insistentemente têm denunciado a falta de transparência do processo eleitoral. Em resposta às graves acusações que lhe são feitas, Fujimori não encontrou melhor resposta do que afirmar, com toda a sobranceria e desrespeito, que vai «oferecer um CD a cada um dos observadores para que saibam como se dança ao ritmo do chinês», numa alusão à canção O baile do chinês, que serve de tema à campanha da «Frente Independente Peru 2000», que apoia a sua candidatura.
A prepotência do actual presidente do Peru manifestou-se desde o início deste processo com a interpretação pessoal que Fujimori fez da norma constitucional segundo a qual não é permitido cumprir mais de dois mandatos presidenciais seguidos: para o presidente peruano em exercício esta disposição só se aplica a partir do primeiro mandato, pelo que nada obsta a que se candidate pela terceira consecutiva.
Não satisfeito com o atropelo da Constituição, levada a cabo com a conivência das forças instaladas no aparelho de Estado, Fujimori ignorou as denúncias comprovadas de falsificação massiva de assinaturas que permitiram a inscrição no processo eleitoral da Frente «Peru 2000», não hesitou na ostensiva utilização de recursos públicos e dos meios de comunicação para promover a sua recandidatura, ao mesmo tempo que o governo desencadeava uma campanha de intimidação e silenciamento da oposição.


Críticas dos EUA

Às preocupações manifestadas pelos observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) e de outros organismos internacionais, Fujimori responde dizendo que «é impraticável que se declare nulo o processo» eleitoral, e que apenas os peruanos se devem pronunciar sobre a transparência das eleições. Acusando os observadores de não perceberem o que se passa no Peru por terem «um conceito diferente de democracia», Fujimori garante que se recandidata porque não o fazer seria «deixar ao abandono o povo que quer levar o Peru para o progresso».
Estas «explicações» não convencem ninguém, nem sequer os EUA, normalmente sempre tão compreensivos com os seus aliados. Após uma tomada de posição do Centro Carter sobre a falta de democraticidade do processo eleitoral, o Senado norte-americano deixou em aberto a possibilidade de aprovar ainda esta semana uma resolução declarando ilegais as eleições do próximo domingo. Já a semana passada o senador republicano Paul Coverdell havia apresentado uma resolução nesse sentido, denunciando «o controlo pelo governo peruano dos organismos eleitorais, restrições sistemáticas da liberdade de imprensa, manipulação do processo judicial para silenciar os meios independentes e hostilização ou intimidação de opositores políticos». Segundo Coverdell, «isso constitui uma tendência inquietante», embora «não necessariamente surpreendente para um governo que tem um desempenho pouco consistente em matéria de democracia e de respeito pela lei». Uma opinião partilhada pelo candidato de «Peru Posible», Alejandro Toledo - de 54 anos, origem índia e educado nos Estados Unidos (master em Economia e doutorado em Educação pela Universidade de Stanford) - que se perfila como o mais sério adversário de Fujimori.

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Clima de medo


A Missão de Observação Eleitoral da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) divulgou um relatório onde manifesta a sua preocupação pela existência de um clima de medo, manipulação, ameaça e agressão no processo eleitoral peruano.
Segundo os membros da FIDH, que chegaram a Lima no passado dia 28 de Março, há falta de transparência em todo o processo, e o clima de medo e manipulação põe em causa a liberdade dos eleitores.
As possibilidades de fraude em grande escala foram também confirmadas pelo general na reserva, Jaime Salinas Sedó, que a semana passada afirmou existirem provas de envolvimento de altos responsáveis do Exército no activo na fraude eleitoral.
Idênticas denúncias foram feitas pelo ex-general Daniel Mora, que esteve no poder e sabe como funcionam as coisas nos bastidores do governo de Fujimori (pertenceu ao Estado Maior Conjunto do Exército e chefiou a sexta divisão, tendo-se retirado em 1988). Mora afirma que a cúpula militar está sob o controlo de Bladimmiro Montesinos, o principal assessor do presidente, e diz-se preocupado com o facto de os seus companheiros de armas comentarem cada vez com mais frequência que o governo esta empenhado em usar as forças armadas para «meter a mão» nas urnas.
«Há uma grande possibilidade de manipulação» dos resultados, diz Mora em entrevista ao El Nuevo Herald, acrescentando que «há oficiais que devem sentir-se indignados» por Fujimori ter transformado as Forças Armadas.


«Avante!» Nº 1375 - 6.Abril.2000