África do Sul
na encruzilhada


Por Pina Gonçalves



Num clima de contestação dos trabalhadores à política governamental para a administração pública, está lançado o debate político e ideológico no seio da aliança tripartida que suporta o governo - o Congresso Nacional Africano (ANC), o Partido Comunista da África do Sul (SACP) e o Congresso de Sindicatos Sul Africanos (COSATU) - sobre as opções tomadas nesta área.

O Sindicato dos Trabalhadores Municipais da África do Sul (SAMWU), filiado na COSATU, afirma que o país, em resultado de décadas de regime de apartheid, apresenta vastas e profundas desigualdades, onde os ricos vivem em boas casas, dispondo de água canalizada, em áreas onde a remoção de resíduos sólidos é feita regularmente e os espaços públicos são bem mantidos e de qualidade, enquanto que para a maioria dos trabalhadores ter uma casa minimamente decente, com água corrente e sistema de esgotos, numa zona com iluminação pública, não passa de um sonho.
Mas também adianta que o governo, enquanto diz aos trabalhadores que os municípios são ineficazes e não dispõem de meios financeiros suficientes para dar resposta às necessidades das populações, encorajado pelos grandes negócios vai defendendo que a forma de fazer face às necessidades básicas de todos os sul-africanos é privatizar serviços públicos, argumentando que só o sector privado dispõe de dinheiro, tecnologia e conhecimentos suficientes para dar resposta aos problemas das comunidades.
Num encontro sindical de âmbito internacional realizado em 1999 na cidade de Durban, promovido pelo SAMWU, debateram-se as imposições e pressões exercidas por organizações capitalistas internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial para levar o governo a privatizar importantes sectores da administração pública.
O exemplo europeu foi passado em revista, nomeadamente o do Reino Unido onde, em consequência da política de concessões e privatizações de serviços municipais, se destruíram 167 000 postos de trabalho entre 1989 e 1993, aumentando significativamente o trabalho temporário e a tempo parcial. A qualidade dos serviços diminuiu acentuadamente em consequência da substituição do princípio da satisfação das necessidades do público pelo princípio da satisfação do lucro. Os direitos sindicais foram fortemente diminuídos e os cidadãos deixaram de poder exigir responsabilidades directas aos eleitos locais, passando a ser simples consumidores à mercê das políticas comerciais das empresas privadas.
Os trabalhadores municipais apontaram os exemplos a não seguir, mas começaram já a sentir a sua aplicação em casa. Nos municípios sul-africanos de Queenstown, Fort Beaufort e Stutterheim, por exemplo, já se entregou os sistemas de administração e tratamento de esgotos e do abastecimento de água às multinacionais francesas Lyonnaise des Eaux (aliás Suez-Lyonnaise) e Générale des Eaux (aliás Vivendi).


Contra as privatizações e contra a corrupção

Os exemplos de corrupção em processos de privatização de serviços públicos vindos da Europa e de outros países africanos estiveram presentes no encontro sindical de Durban e o alerta foi dado para que a África do Sul siga um caminho diferente.
Os sindicalistas desconfiam da real capacidade de controlo do poder político sobre o poder económico e perguntam: "Camaradas, tendo em consideração a experiência internacional destas companhias, pensaremos nós que será realmente possível o governo impor uma regulamentação estrita que proteja os interesses dos trabalhadores e da comunidade? (…) Que acontecerá se eles – as multinacionais – não puderem realizar o lucro que pretendem porque não podem reduzir os ganhos dos trabalhadores ou aumentar suficientemente as tarifas?…".
O South African Municipal Workers Union reivindicou do governo medidas concretas que levem ao banco dos réus as multinacionais suspeitas de praticar subornos e, quando condenadas, as faça banir do país - bem como às suas subsidiárias e associadas - por um período de 5 anos, exigindo também uma moratória às privatizações e uma definição política clara dando prioridade à opção pelo serviço público.
Saídos recentemente do apartheid os trabalhadores sul africanos não estão dispostos a parar de lutar por uma sociedade melhor e os seus representantes rejeitam ser considerados por essa razão como gente de "vistas curtas" e não admitem que os trabalhadores municipais sejam encarados mais como um "peso" e não como um recurso fundamental.
Uma forma de lembrar que não se faz uma política socialista sem os trabalhadores.

* Citações e elementos recolhidos de comunicados do SAMWU.


«Avante!» Nº 1375 - 6.Abril.2000