Contra aumento de combustíveis
Buzinão faz-se ouvir por todo o país



Um
coro de protestos fez-se ouvir por todo o país contra o considerável aumento do preço dos combustíveis, decretado, na quinta-feira passada, pelo Governo.

Ao fim da tarde de segunda-feira um forte buzinão, entremeado de outras formas de protesto, fez-se ouvir em vários pontos do país, em especial nas zonas mais centrais das cidades ou de maior trânsito, como foi o caso da Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, no «garrafão» da Ponte 25 de Abril, bem como na Avenida dos Aliados, no Porto. Ainda em Lisboa, a Calçada da Estrela e a residência oficial do primeiro-ministro, em S.Bento, foram outros dos locais escolhidos para o protesto, com um significativo número de apoiantes.
O protesto sonoro acompanhado por uma marcha lenta de veículos, foram formas de mostrar o descontentamento em inúmeras cidades e povoações de todo o país, nomeadamente em Aveiro e Viseu, onde centenas de automobilistas se manifestaram na Praça da República, alguns dos quais saíram propositadamente dos empregos e puseram os carros a trabalhar apenas para participar no buzinão.
Em Évora a jornada de protesto foi marcada pelos discursos de dirigentes sindicais e pela distribuição de comunicados. No Funchal, foram dezenas os carros que participaram no buzinão enquanto circulavam em marcha lenta pelo centro da cidade. Na Marinha Grande, apesar do mau tempo, cerca de uma centena de veículos acorreram à rotunda vidreira, para protestar.


As razões do protesto

Uma forte contestação social acolheu assim os aumentos decididos pelo Governo para a gasolina (17$00) e para o gasóleo (15$00), que passaram a ser vendidos respectivamente a 178$00 e 125$00.
É que estas subidas - da ordem dos 10,5 e 13,6% - vão ter repercussões sensíveis ao nível dos transportes de mercadorias e outros e uma vez que a energia faz parte de toda a produção, vão traduzir-se, inevitavelmente, pelo aumento em cadeia do preços de praticamente todos os bens, prevendo-se que a inflação sofra um aumento de cerca de 0,4 pontos no mínimo.
Para Maio, conta-se já com o aumento do preço dos passes sociais, dos bilhetes dos transportes públicos e da bandeirada dos taxis.
O mais caricato é que aumento agora decidido para o preço dos combustíveis verifica-se precisamente na altura em que, face ao aumento de produção acordado pelos nove países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o preço do petróleo desce.
O Governo pede compreensão e fala de partilha de custos entre o Estado, as empresas e os consumidores, «que se vão sacrificar ao enfrentar os produtos mais caros», prometendo o congelamento das despesas públicas em cem milhões de contos e anunciando medidas complementares, como o direito a dedução integral do IVA aos transportadores de pesados com mais de 3.500 quilos.
Os portugueses sabem, porém, que mais cedo ou mais tarde é sobre eles que recaem as «poupanças» do Governo e as «benesses» dirigidas às empresas de camionagem, pelo que a resposta não se fez esperar.
O PCP reagiu desde a primeira hora, quer pela voz do seu secretário-geral Carlos Carvalhas, que acusou o Governo de colocar o «eleitoralismo à frente das pessoas» e se mostrou preocupado com as repercussões da medida nos pequenos e médios empresários, quer através da sua Comissão Política que, em tomada de posição pública, igualmente condenou a medida.
Destaque: Os portugueses sabem que mais cedo ou mais tarde é sobre eles que recaem as «poupanças» do Governo e as «benesses» dirigidas às empresas.

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A dança dos números

Portugal tem uma das gasolinas mais baratas da Europa. Este um dado insistentemente referido nos debates surgidos em torno do sensível aumento dos preços dos combustíveis agora decidido pelo Governo.
Mas também aqui, nem sempre o que parece é.
Concretamente, esta afirmação só será válida se ignorarmos a realidade no seu conjunto e não tivermos em conta um dado essencial – o nível de vida das populações.
A verdade é que as famílias portuguesas, com um dos mais baixos rendimentos da União Europeia e das mais elevadas taxas de pobreza, gastam já em transportes, em média, uma quota do seu orçamento superior a 1/6, o que é (a seguir à Áustria), a mais elevada entre os países da UE.
Comparando os preços da gasolina (super sem PB) dos países cujos níveis de vida se aproximam mais do nosso, o panorama altera-se significativamente.
Assim, e considerando o preço em escudos por litro, na Grécia o preço actual da gasolina é de 156, em Espanha, de 160, na Irlanda de 166, e em Portugal de 178 escudos.
Os novos preços da gasolina e do gasóleo (de que uma parte significativa resulta das taxas que incidem sobre o preço base) irão entretanto dar ao Governo mais de dois milhões de contos por mês, o que lhe permitirá pagar às petrolíferas as dívidas entretanto contraídas.
Por outro lado, e enquanto este aumento de combustíveis é utilizado para «justificar» um novo e inadmissível aumento das tarifas dos transportes públicos, parte da receita do ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos) deverá ser destinado a apoiar o transporte público.
Ao cidadão comum pede-se que pague. E, de preferência, que se cale.


«Avante!» Nº 1375 - 6.Abril.2000