Pecados



Guterres está inconsolável. Os combustíveis incendiaram aquele ambiente de acalmia e distracção geral que ele tenta a todo o custo cultivar para que tudo pareça estar bem. Antes de nova viagem Guterres reuniu as hostes. Ao que consta para se lamentar desta enorme ingratidão popular que faz com que as pessoas não andem satisfeitas, presas a razões insignificantes como as dos aumentos de preços e reduções do poder de compra, logo agora quando ainda deveriam estar a saborear o sucesso da presidência da União Europeia. E também para recomendar aos seus, seguramente por sugestão do capelão do reino, para que não sejam tentados pelo "pecado da arrogância". Fiel ao ditado que não é com vinagre que se apanham moscas, Guterres em matéria pecaminosa prefere a mentira. Não por ter menos mácula mas por ser mais eficaz. Daí aquela densa cortina de declarações, suas e dos seus, para explicar com recurso a exemplos de outros a imensa bondade da orientação seguida pelo governo em matéria de preço dos combustíveis e aquele incansável esforço para iludir o peso das consequências que sobre os trabalhadores e os seus rendimentos se repercutirá com aquela decisão.


Por razão de economia de espaço, deixemos de lado aquela pouco séria comparação com a nossa vizinha Espanha construída sobre a deliberada omissão de factos como os das sucessivas reduções de preços aí verificadas aquando dos períodos do preço em baixa do barril de crude ou o do valor dos salários mínimos e médio nos dois países. Ou ainda as razões de estrito cálculo eleitoral que presidiram, por parte do governo, à gestão deste problema. Fixemo-nos apenas em duas observações.
A primeira para respondendo à desvalorização que Guterres faz às consequências sobre os trabalhadores da actual decisão só para lembrar que em matéria de poder de compra se o salário mínimo nacional acompanhasse o preço do gasóleo, comparado a 1975 (4$00/Litro para 4.000$00 de SMN), ele deveria hoje ser de 125 contos. A segunda para recordar que sendo certo que em 1999 o preço do barril disparou não é menos verdade que, ainda que com variações, entre 1990 e 1998 o seu preço baixou de 36 para 9 dólares tendo o preço da gasolina subido em igual período de 150 para 168$00.


Está à vista que o saldo final desta questão se pretende debitado uma vez mais aos trabalhadores e ao seu poder de compra. Afirmar que este aumento, e os que ele originará, não tem qualquer efeito sobre a inflação e os rendimentos do trabalho no preciso momento em que o governo adopta medidas de compensação ao patronato e já se anunciam novos aumentos para os transportes públicos, é não só uma condenável mentira como um gesto de indisfarçavel arrogância. A merecer castigo pelo protesto e pela luta. — Jorge Cordeiro


«Avante!» Nº 1375 - 6.Abril.2000