Ainda
a Cimeira de Lisboa
«A Cimeira da Era Digital». «A Cimeira da Competitividade e do
Conhecimento». «A Cimeira da Terceira Via». «A Cimeira de
tudo e de nada». A comunicação social pode chamar-lhe o que
quiser e o que mais lhe convier, mas nunca «A Cimeira do
Emprego». E porquê? Porque, o debate sobre o emprego,
inicialmente prometido nunca aconteceu.
Guterres, no fim dos dois dias em que decorreu a Cimeira, bem
tentou convencer-nos de que em Lisboa «pela primeira vez em
décadas, o objectivo do pleno emprego foi reafirmado». Mas o
que aconteceu, isso sim, foi a confirmação do constante
deslumbramento da União Europeia, com o que chamaram de «Nova
Economia» representada fortemente por um país do outro lado do
Atlântico, os EUA. Durante a Cimeira, este aspecto foi
amplamente discutido, mesmo que nunca assumido de forma clara,
pela maioria dos países da UE.
Tony Blair e Aznar, pelo contrário, nunca o esconderam, e
fizeram questão de na sua declaração conjunta, afirmar que,
«se queremos fazer da UE um espaço dinâmico, há que seguir os
exemplos dos que apresentam melhores resultados, os EUA e o
Japão».
A Espanha e o Reino Unido, com Aznar e Blair, pretendiam exportar
«o seu projecto reformista e centrista». Para os dois líderes,
o importante era «introduzir mecanismos de reforma económica
que conduzissem ao crescimento da Europa e o caminho das reformas
é o caminho da Europa Aberta, que não tem medo da
competitividade».
Mas o primeiro ministro espanhol conseguiu ir ainda mais longe,
afirmando para quem o quisesse ouvir, que as velhas receitas
«socialistas» já não mostravam rentabilidade! Reacções de
Guterres? Não são conhecidas!
A Áustria, essa, queria muito pouco, só queria mesmo que lhe
fosse retirado o título de «ovelha negra da família», assim
como as sanções políticas e económicas.
Querer tanto
e nada conseguir
O Governo português
queria tanto e nada ao mesmo tempo. Na verdade o que queria, era
que tudo corresse pelo melhor. Que se fizesse fotografia, fosse
ela de grupo ou de família. Queria que toda a grande «família
europeia» se desse toda muito bem e até chamou um convidado
mexicano, para provar ao mundo que tudo vai bem no «reino
europeu», que agora tem «nas suas mãos». Queria que não
houvesse manifestações públicas de protesto. Queria que os
problemas que atingem os milhões de trabalhadores por essa
Europa fora ficassem resolvidos como que por milagre, continuando
a aplicar as políticas que estão na sua origem.
Todos os restantes governos da UE estavam de acordo com os
objectivos gerais da Cimeira, mas sob ângulos diferentes, com
cada um a procurar o que mais lhe agradava.
Mais uma vez se confirmou que o grande objectivo anunciado aos
quatro ventos por Guterres, e que inclusive deu o nome à Cimeira
- «Emprego, Reformas Económicas e Coesão Social - Para uma
Europa da Inovação e do Conhecimento», não passou de uma
desculpa, para anunciar uma nova aceleração das privatizações
e uma mais rápida liberalização dos principais sectores de
actividade.
As preocupações de Guterres!
Frases como as que
ouvimos frequentemente da boca do eng. Guterres, como, «temos
que ter presente que as pessoas são o centro das nossas
preocupações
», «temos que manter sempre os valores da
solidariedade e da justiça social», «temos que dar o primeiro
passo no desenvolvimento económico e social europeu», «temos
que resolver todos os problemas do desemprego na Europa»,
«temos que promover o emprego e a coesão social», e
«finalmente os cidadãos começam a sentir que as instituições
europeias se preocupam com os problemas concretos das pessoas»,
não resolvem os problemas que cada um de nós vive no seu
dia-a-dia.
Foi isso mesmo que quiseram mostrar as dezenas de milhar de
trabalhadores que se manifestaram à porta da Cimeira, reclamando
por melhores salários e empregos de qualidade e com direitos.
O que fica realmente para a história deste Conselho não são,
infelizmente, as tais medidas concretas e eficazes para a
criação de empregos com direitos e o combate à exclusão
social e ao desemprego. O que fica para mais tarde recordar são
as palavras de Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia,
como que a prever o futuro: «a Cimeira de Lisboa serviu para que
imediatamente se tomem medidas muito mais concretas e
positivas». Mas para quem? Para os trabalhadores é que não
são de certeza.
Se é coincidência ou não, o futuro para Portugal chegou ainda
mais depressa que o previsto por Prodi. As facturas da Cimeira
já começaram a chegar, logo é necessário que os portugueses
contribuam. Os aumentos da gasolina e gasóleo, dos transportes e
dos impostos entre outros, são «muito naturalmente», e segundo
o ministro Pina Moura, a melhor forma de pagar essas contas
pendentes. Sandra Pimenta